Editorial

Julgamento de Sócrates (e dos outros) protege a Democracia

Agora parece que é, José Sócrates Salgado, Granadeiro e Bava vão mesmo a julgamento. É menos um pretexto para a agenda populista do Chega, e isso não é pouco.

A “Operação Marquês” já era por si só suficientemente traumatizante, um primeiro-ministro suspeito de crimes graves no exercício de funções. A decisão do juiz de instrução Ivo Rosa sobre um conjunto de indícios foi uma facada na confiança dos portugueses no sistema de justiça, a desilusão perante a evidência de que os chamados “poderosos” conseguem sempre fugir às suas responsabilidades, mas agora, num momento particularmente crítico para a Democracia, a decisão de levar José Sócrates (e todos os outros) a julgamento por três crimes de corrupção devolve alguma sanidade ao sistema. Simplesmente porque seria insuportável uma “sentença”, qualquer que venha a ser, à margem de um julgamento.

Depois de tudo que os portugueses souberam deste megaprocesso judicial, que envolveu um certo regime político, económico e financeiro do país, a única forma aceitável, moral e eticamente aceitável, de termos um desfecho tem de passar por um julgamento em tribunal em que Sócrates, Salgado, Granadeiro, Bava e outros tantos respondam, e contestem, o que são os fortíssimos indícios de corrupção, branqueamento de capitais e fraude fiscal que sobre eles recaem. Cada um de nós formou a sua convicção sobre os factos conhecidos. Quando um antigo primeiro-ministro justifica as movimentações de dinheiro vivo com a desconfiança em relação ao sistema bancário, ou quando é apanhado ao telemóvel a pedir “fotocópias”, “um papelito”, “um envelopezinho” ou “aquela coisa”, não pode ser por boas razões. E as juízas da Relação — três, que nunca tinham tido qualquer intervenção neste processo que tem quase uma década — recordam as “regras da experiência”, uma expressão feliz para sublinhar que as explicações mais simples são as verdadeiras, isto é, quando alguém tem acesso a tanto dinheiro e não assume a sua posse será provavelmente porque a sua origem não é lícita.

“Follow the money”. 34 milhões… Foi este o princípio que seguiram as três juízas desembargadoras e que estão, na prática, na cabeça dos portugueses quando descobriram o nível de vida de Sócrates e as relações de cumplicidade com Ricardo Salgado, Henrique Granadeiro e Zeinal Bava, os pagamentos do ‘saco azul’. Qualquer desfecho que confirmasse agora a decisão de não pronúncia sobre um conjunto de crimes (e na verdade, convém recordar, a decisão instrutória de Ivo Rosa que avançou sobre crimes de branqueamento de capitais nem sequer chegou ainda a julgamento) seria politicamente trágico.

Haverá seguramente ainda recursos a avaliar para haver uma resposta à pergunta que todos farão: Quando começarão estes arguidos a serem julgados em tribunal? E ainda há risco de prescrições? Felizmente, o caminho dos recursos é agora muito estreito, o Tribunal Constitucional, mas não é fechado se este recurso, a ser aceite, tem ou não efeito suspensivo do julgamento). A decisão da Relação, de qualquer forma, devolve a esperança na justiça e a convicção de que os recursos, sendo um direito dos arguidos, não pode ser um instrumento para escapar aos julgamentos pela porta das traseiras.

Sobretudo do ponto de vista político, as três juízas desembargadoras fizeram mais pela sanidade do sistema do que muitos discursos de políticos. Num momento em que há um partido, o Chega, que faz da corrupção e dos poderosos a principal agenda política, a pronúncia para julgamento é um alívio. É no mínimo menos um pretexto para o discurso populista em plena campanha eleitoral para 10 de março e que já tem oportunidades que bastem com a degradação dos serviços públicos com uma carga fiscal recorde e um esforço fiscal insuportável.

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