Juros, a mão invisível que intimida Medina?

O impacto dos juros já é visível nas famílias, e não deixará de o ser também nas empresas e, principalmente, no Estado. Fernando Medina e António Costa devem ter isso em conta neste Orçamento.

Eu costumava pensar que, se houvesse reencarnação, eu queria voltar como presidente, papa ou jogador de basebol. Mas agora, gostaria de voltar como mercado de obrigações. Consegue intimidar toda a gente”. James Carville, consultor e estratega de Bill Clinton 1992, altura da última grande subida de taxas de juro do tesouro nos EUA.

Depois de dois anos em que a inflação aumentou as receitas fiscais e reduziu a denominador da dívida em percentagem do PIB, começa a ser tempo de olhar com mais atenção para uma mudança que veio para ficar, para o estado , famílias e empresas: A subida das taxas de juro.

E se o impacto desta subida é já evidente nas famílias e no crédito a habitação, não deixará de o ser também nas empresas e, principalmente, no Estado. O mercado de obrigações costuma demorar a mexer, mas quando mexe, como aprendeu James Carville nos anos 90, todos sentem! E Fernando Medina e António Costa devem ter isso em conta neste Orçamento do Estado.

Não estamos como em 2010/2011, com subidas galopantes devido ao risco de crédito do Estado português, mas claramente o mundo mudou. Os bancos centrais já nos avisaram no verão, em Sintra, que os juros vão ficar altos durante muito tempo. Sendo que altos não significa necessariamente altos em termos históricos mas em termos relativos face aos últimos anos. Depois do tempo das taxas de juro perto de 0, estamos a voltar para valores mais perto da média de longo prazo, que como se ve no gráfico em baixo, andará mais perto dos 4% no mercado monetário (Euribor) mesmo 5% no mercado de dívida pública.

Taxas de juro do mercado monetário e de obrigações do governo (Gráfico 1, em %)

Fonte: Reserva Federal de St Louis e Bloomberg

Estas subidas foram particularmente evidentes na última semana, nos EUA e em alguns países europeus. Pela primeira vez, a principal razão apontada deixou de ser a mudança de política e comunicação por parte dos bancos centrais, mas antes o facto de a emissão de divida nos EUA e em alguns países europeus como a Itália e França ter sido revisto em alta. Sendo que, igualmente pela primeira vez em quase 15 anos, esta maior oferta de dívida pública não será acompanhada de qualquer programa dos bancos centrais.

Por outras palavras, se aumenta a oferta e a procura não se altera, o preço tem de descer (e, neste caso, o juro tem de subir). E qual o impacto desta subida sustentada de juros?

Na economia o impacto é relativamente claro. Juros mais altos levam a menor crescimento – como de resto é já visível nas várias estimativas, via menor investimento e também menor consumo.

Seguidamente, este aumento levará também a alguns riscos para os bancos. Por um lado, com juros mais altos, aumenta o risco de incumprimento por parte de empresas e famílias. Por outro, como cimos em Marco com a falência do Silicon Valey Bank e do Credit Suisse, aumentos repentinos de taxas de juro de longo prazo podem levar a perdas inesperadas em em alguns bancos ou outras instituições financeiras. Diz-nos a história que, sempre que as taxas sobem, surgem problemas nos pontos mais frágeis do setor financeiro – será diferente desta vez?

Finalmente, há ainda que ter em conta que sempre que as taxas sobem nos EUA, há problemas e defaults noutros países do mundo, principalmente nos mais frágeis e expostos ao financiamento externo, particularmente nos que emitiram divida em dólares. Nos anos 80 e 90, tivemos crises na América Latina e na Ásia. Será agora a vez de África?

E qual o impacto desta subida nas finanças públicas e no orçamento que Fernando Medina apresenta hoje?

Não provoca para já questões ao nível da sustentabilidade: Portugal já consegue ter excedentes primários superiores a 2% do PIB numa base regular e tem convencido o mercado e as agencias de rating. Ainda assim a vontade, não é à vontadinha…

É certo que Portugal precisa apenas de refinanciar uma fração reduzida da sua dívida por ano (cerca de 13% do stock) já que a maturidade média da divida do Estado está perto do nível mais elevado de sempre (7.8 anos) fruto não só da política monetária, mas também da excelente gestão por parte do IGCP.

No entanto, caso as taxas subam muito e sustentadamente, o impacto pode não ser negligenciável, como se vê em baixo e dependerá também das opções de política orçamental que forem tomadas. Portugal consegue acomodar subidas de juros até perto de 6% desde que mantenha a política orçamental que vem a ser seguida desde o programa de ajustamento e que continuou a ser seguida depois de 2015 e que o crescimento se mantenha no nível dos últimos oito anos.

Cenários para a evolução da dívida pública (Gráfico 2, em % do PIB)

Fonte: Ameco, PEC 2023 e cálculos próprios

Para construir o gráfico 2 em cima, partimos do rácio da dívida publica no final de 2022 e traçamos vários cenários até 2035 para a taxa de juro da nova dívida financiada em mercado, começando com 3,5% que é a taxa de juro média da da dívida emitida este ano, e terminando nos 7%, a “linha vermelha” de Teixeira dos Santos no longínquo ano de 2011 (!).

O saldo primário e o crescimento nominal assumido ao longo do período, é comum aos vários cenários:

i) um superavit médio de 3% do PIB, acima do verificado entre 2012 e 2019, mas em linha com o esperado para este ano e inscrito no PEC para o período até 2027.

ii) um crescimento nominal médio de 4% (2% real + 2% de inflação) em linha com o verificado desde 2015.

Nos três primeiros cenários, com juros até aos 6%, a dívida desce, ainda que para valores acima dos inscritos no PEC em abril, já que na altura as taxas de juro estavam bastante mais baixas. No último cenário, com as taxas de juro consistentemente em torno dos 7%, vemos que a divida pública se torna insustentável, terminando 2035 perto dos 120% do PIB.

Ou seja, assumindo que consegue manter um excedente primário de 3% do PIB e que consegue manter um crescimento real médio de 2%, Portugal consegue suportar uma subida sustentada das taxas de juro até 6%. No entanto, caso estes dois pressupostos não se realizem, o espaço de manobra será bastante mais reduzido e aí até taxas de juro sustentadamente em torno dos 5% podem ser já preocupantes para a sustentabilidade da divida.

Perante estes cenários, há boas e más notícias. As boas notícias, são as de que Portugal deverá já atingir um excedente até ligeiramente superior já este ano. As más, são que para o manter, terá de continuar a controlar a despesa publica como até agora: leia-se limitando aumentos salariais, e até investimento (mesmo contando com o PRR). E isto claro, assumindo que o milagre do crescimento não termina e Portugal não regressa a crescimentos reais mais fracos…

O mercado de obrigações está a começar a acordar, e parece estar já a intimidar alguns investidores e até bancos centrais. Será que vai também intimidar os governos, incluindo o português? Ou será preciso algum susto? Veremos nos próximos tempos.

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