Lacerda Machado, Frasquilho e o Estado na TAP

A nomeação de Diogo Lacerda Machado para a TAP é o menor dos problemas de um processo que, a prazo, tem tudo para correr mal. É o Estado a entrar, outra vez, numa empresa de onde tinha saído.

O primeiro-ministro António Costa nomeou o melhor amigo, Diogo Lacerda Machado, para administrador não executivo da TAP na ‘quota’ do Estado, uma notícia já dada em primeira mão aqui no ECO há meses, e Pedro Passos Coelho considerou-a “uma pouca vergonha’. Miguel Frasquilho, antigo deputado do PSD e presidente da Aicep, vai ser o chairman da companhia, que volta a ser controlada pelo Estado, com a gestão executiva do consórcio privado Atlantic Gatway, liderado por David Neelman. Afinal, o que está mal neste filme?

Vamos por partes, a começar na questão que suscita mais polémica. Diogo Lacerda é advogado, conhece o setor da aviação, e foi o representante de António Costa, leia-se do governo, na renegociação do acordo do Estado com a os privados para a reversão parcial da privatização.

No quadro deste renegociação e do acordo parasocial, que dá 50% das ações e (apenas) 18,75% dos direitos económicos, o Estado tem direito a nomear um chairman e um conjunto de administradores em sua representação. Fernando Pinto, esse, vai continuar como CEO.

O problema de Lacerda Machado não é agora a TAP, foi antes, quando começou a trabalhar, sem contrato, para o governo, num registo de informalidade que só pode criar suspeitas. Num conjunto de negócios diversos, entre os quais a própria TAP. Como se trabalhar para o Estado fosse o mesmo que trabalhar para um amigo ou, pior, como se o Estado fosse o quintal de António Costa. É esse pecado original que está agora a minar esta nomeação. E deveria justificar outra decisão de Costa.

Se Lacerda Machado tivesse começado a trabalhar em nome do Estado com um estatuto identificado, e de forma transparente, a sua nomeação em nome do próprio Estado era óbvia, por tudo, até pela sua competência, reconhecida por quem é seu adversário. E até para chairman, coisa que esteve para ser, não fosse a previsível contestação política. E não configurava um conflito de interesses. Mas Costa não pode apagar o que fez, e por uma questão de princípio, para mostrar que não há misturas entre o Estado e os interesses privados, Costa não deveria ter feito esta nomeação.

Agora, sejamos claros, o problema de fundo é outro, foi a decisão do governo de reverter uma privatização cujos resultados – sem qualquer participação do governo na gestão da TAP – estão a dar frutos. A TAP regressou aos lucros em 2016 no transporte aéreo, excluindo a manutenção no Brasil. Vamos ver é se o Estado não vai estragar o caminho que já começou a ser feito em 2016 e nestes primeiros meses de 2017.

A reversão parcial da privatização e a nova configuração acionista tem, aliás, tudo para dar mal. Foi um compromisso político de António Costa antes das eleições e que, depois, foi levada à prática com um acordo ‘martelado’, em que o Estado tem 50%, mas quem gere são os privados. Porque o Estado não tem o dinheiro, mas quer ter a influência, quando é evidente que a TAP não precisa de ter um acionista público. Basta perguntar ao presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, o que pensa desta equilíbrio ambíguo. Aliás, quando for necessário fazer uma reestruturação de pessoal na empresa, cá estaremos para ver.

Finalmente, sobra a indicação de Miguel Frasquilho para chairman, precisamente o homem que vai ter de gerir o potencial de conflitos que se vê ao longe. Esta é que é a cereja no topo do bolo. Um antigo deputado do PSD, portanto, político no ativo, nomeado por Pedro Passos Coelho para a presidência da Aicep e que fez a transição para o Bloco Central. Sem qualquer experiência na aviação, nem na governação de uma grande empresa. Passou a elogiar o governo e as suas políticas económicas, tão longe das que defendia quando era deputado, por exemplo as fiscais e, por isso, passou a ser um cartão que António Costa podia usar. E usou. O que isto revela? Depois da troika, do ajustamento, da austeridade, da clarificação do que é a Esquerda e a Direita, continua a haver um centrão político à medida de quem, a cada momento, está em São Bento.

Diogo Lacerda Machado é mesmo o pior da TAP? Não, é apenas uma consequência, é a transformação de uma empresa que andou sempre às voltas do governo, de todos os governos, até ao de Passos Coelho, que a privatizou. E que, agora, volta para a influência do Estado, leia-se do governo. Deste governo. Este é que é o problema estrutural, o mais é acessório.

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