Leituras de 2016 sobre progresso e inovação

Quatro livros que tocam na educação como elevador social, nas sucessões das empresas familiares e na inovação e progresso tecnológico.

A Amiga Genial, de Elena Ferrante

A tetralogia ‘A Amiga Genial’, de Elena Ferrante, pseudónimo da escritora italiana da cidade de Nápoles que se mantém no anonimato, é um dos maiores sucessos literários e de vendas dos últimos anos.

A obra de Ferrante acompanha a relação de duas amigas, Lila e Lenú, que vivem num bairro pobre de Nápoles, ao longo da segunda metade do século XX. Numa entrevista à Paris Review, a autora refere que não pretendeu escrever sobre o processo de transformação económica e social, ou sobre a ascensão social e o peso persistente das origens de classe. Mas reconhece que um tão longo período histórico, com tantas mudanças económicas e sociais, influenciou as escolhas e as vidas das personagens.

De facto, embora as grandes questões que acompanham as personagens de ‘A Amiga Genial’ – como viver a vida? como nos relacionamos com os outros? – sejam comuns a muitas personagens de outros grandes romances, a forma como estas vivem a vida e se relacionam com os outros é determinada pelo tempo histórico em que a acção se desenrola.

Na história da vida e amizade das personagens, a autora dá-nos um grande fresco da Itália do pós-Segunda Guerra, onde as semelhanças com a experiência portuguesa abundam.

Não é possível ler ‘A Amiga Genial’ – pelo menos para um economista – sem contextualizar a história no período que ficou conhecido como Os trinta gloriosos (as décadas de 50, 60 e 70), a que muitos historiadores se referem como milagre: a taxa de crescimento duplicou face ao período anterior e a prosperidade que daí resultou permitiu atenuar os conflitos sociais que caracterizaram o período anterior à Segunda Guerra Mundial, estabilizar e legitimar os regimes democráticos e sustentar as transformações sociais associadas à urbanização e à massificação da educação.

Ao longo da obra, vamos acompanhando o crescimento das personagens e as transformações da economia e da sociedade: as estradas são alcatroadas; o comércio moderniza-se; um sapateiro da periferia passa a produzir calçado de luxo numa loja do centro da cidade; as pessoas começam a ir à praia, a comprar carro e a ter telefone; as mulheres e os trabalhadores lutam pelos seus direitos, uma luta que resulta muitas vezes em actos violentos. Todas estas transformações e conflitos estão presentes no microcosmos do bairro de Nápoles.

Mas a maior transformação, que atravessa toda a obra, é a da educação. A educação surge como um instrumento para a realização pessoal e como elevador social. Quando eram crianças, Lila e Lenú ambicionavam ser ricas. Serem ricas era a forma de se libertarem da opressão e da exclusão em que viviam os habitantes do bairro.

As duas são excelentes alunas, mas as suas famílias não percebiam a utilidade de prosseguir os estudos. Apesar disso, e por pressão da professora, Lenú permanece na escola, com grande sucesso, até concluir a universidade e se tornar escritora. Por outro lado, Lila, que era a melhor aluna e que é excepcionalmente inteligente, não tem qualquer apoio da família, e abandona os estudos com 10 anos.
Lenú percebe que ser a melhor aluna é a via “para vir a ser qualquer coisa…”, no fundo, para poder quebrar a imobilidade a que todos pareciam condenados no bairro, sobretudo as mulheres.

No entanto, vai percebendo que a educação não desvanece todas as barreiras sociais. Por outro lado, o crescimento económico naquelas décadas mudou profundamente a vida do bairro – Lila e o marido, que não estudaram, tornam-se empresários bem-sucedidos de uma empresa informática. Mas as melhorias materiais não impedem as misérias morais, que persistem no bairro.

O percurso muito diferente das duas amigas não as afasta. Lenú continua a voltar ao bairro onde cresceu e percebe que, apesar de toda a mudança, a “ligação entre o passado e o presente na realidade nunca se desfizera…”.

Os Buddenbrook – Declínio de uma família, de Thomas Mann

Durante a leitura da tetralogia de Elena Ferrante, fui estabelecendo relações com um outro livro muito importante que li este ano: ‘Os Buddenbrook – Declínio de uma família’, de Thomas Mann. Este é um dos poucos clássicos da literatura que me lembro de ver citado num manual de economia, o Economics de Paul Samuelson.

O primeiro romance de Thomas Mann descreve o declínio da casa comercial de uma família burguesa do Norte da Alemanha, no século XIX. Thomas Buddenbrook herda o negócio do pai, fundado pelo avô, mantendo-se fiel aos velhos códigos.

Num mundo em acelerada mudança económica e política, não tem a capacidade de se adaptar aos novos tempos e é ultrapassado pelos novos empresários.

A questão da sucessão nas empresas familiares, que continuam a ser muito importantes na Alemanha (como em Portugal), é ainda hoje de grande relevância. Em ‘Os Buddenbrook’, a sucessão na direcção da empresa, como a escolha do cônjuge, era determinada pela tradição.

Num mundo em mudança, as escolhas ditadas pela tradição condenaram a empresa à falência e os elementos da família a um final infeliz. Um tema subliminar em ‘Os Buddenbrook’ é a impossibilidade de realização de Antonie, a irmã de Thomas, que talvez fosse o elemento da família com o perfil mais adequado para assumir a direcção da empresa. No entanto, dada sua condição de mulher, essa possibilidade não se colocava (embora seja verdade que na única intervenção que teve na empresa, propondo a realização de um contrato de futuros, o resultado foi ruinoso).

Os Inovadores, de Walter Isaacson, e The Second Machine Age, de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee

‘Os Inovadores’, de Walter Isaacson, e ‘The Second Machine Age’, de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, são dois livros fundamentais, e cuja leitura se complementa, para compreendermos as origens da revolução digital e as suas consequências para o funcionamento das economias e para a organização das sociedades.

Os Inovadores é provavelmente candidato a melhor história de sempre dos computadores e da internet ou da revolução digital. Nesta história, Isaacson destaca a importância do trabalho em equipa, das equipas interdisciplinares (contando com a presença de alguns génios), das lideranças, de um ambiente favorável à criatividade e à inovação, da colaboração entre o Estado, as universidades e as empresas.

Esse ambiente colaborativo levanta muitas questões fundamentais e conflitos relacionados com a autoria e os direitos de propriedade intelectual e industrial ou o uso de recursos públicos para benefício privado.

‘Os Inovadores’ lê-se compulsivamente, porque junta uma visão das grandes mudanças com episódios deliciosos da vida dos inovadores e gestores.

‘The Second Machine Age’, de Erik Brynjolfsson e Andrew McAfee, complementa a descrição da história da revolução digital de Isaacson, na medida em que discute o impacto da tecnologia na economia e na sociedade. Brynjolfsson e McAfee estão entre os mais destacados optimistas tecnológicos.

Do lado dos pessimistas, destacam-se autores como Robert Gordon e Tyler Cowen, que consideram que a revolução digital não tem a mesma capacidade de gerar crescimento económico que tiveram as revoluções tecnológicas anteriores.

Apesar de identificarem riscos e efeitos negativos, os autores de ‘The Second Machine Age’ defendem que a revolução digital vai aumentar a variedade e quantidade de bens disponíveis para consumo, dando à sociedade mais escolha e mais liberdade.

A principal força por detrás desses benefícios é a digitalização de tudo, com custo marginal de reprodução igual a zero, permitindo a difusão de conhecimento de forma instantânea entre mais pessoas.

Os autores reconhecem os efeitos negativos da revolução digital no emprego e na distribuição do rendimento e da riqueza, em particular para os trabalhadores com baixas qualificações. O rendimento e a riqueza concentram-se num pequeno grupo de criadores e inovadores, cuja remuneração do talento beneficia da digitalização e globalização.

Brynjolfsson e McAfee concluem com uma discussão sobre as competências em que os trabalhadores têm vantagem sobre os computadores e as alterações necessárias nos sistemas de ensino.

A boa notícia é que a própria revolução digital pode facilitar o acesso à educação necessária para ganhar a corrida com a tecnologia. E defendem também medidas como impostos mais elevados para os rendimentos mais elevados como forma de corrigir as desigualdades geradas pela revolução digital. E não se esquecem de reforçar a importância de preservar um sistema capitalista, isto é, um sistema económico descentralizado com a propriedade privada dos meios de produção.

Referências

  • Elena Ferrante. A Amiga Genial (quatro volumes). Relógio D´Água
  • Thomas Mann. Os Buddenbrook – O declínio de uma família. D. Quixote. Tradução de Gilda Lopes Encarnação.
  • Walter Isaacson. Os Inovadores. Porto Editora.
  • Erik Brynjolfsson e Andrew McAffe. The Second Machine Age. Norton

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