Editorial

Marta Temido e a raiva aos grupos privados de saúde

A ministra da Saúde está mais preocupada em pressionar os grupos privados do que em trabalhar numa lógica de cooperação efetiva, e os doentes é que pagam.

A situação da pandemia parece estar descontrolada, como se percebe da sucessão de medidas que o Governo está a anunciar desde há duas semanas a esta parte, e as que já se antecipam, o Serviço Nacional de Saúde está no limite ou já o ultrapassou em alguns hospitais públicos. É por isso chocante a forma como o Ministério da Saúde está mais preocupado em criar um ambiente hostil em torno dos grupos privados de saúde do que em procurar uma cooperação efetiva que garante um funcionamento eficaz do sistema nacional de saúde (leia-se SNS, grupos privados e terceiro setor).

Para esta ministra, conta mais ideologia do que o tratamento dos doentes e o que se vê em cada declaração, mesmo ou especialmente naquelas em que diz estar disponível para recorrer aos privados, é uma irritação profunda, uma raiva, um desprezo até, indisfarçável. Como se estivesse a fazer um favor quando do que se trata é mesmo de garantir que, perante uma pressão anormal na procura de cuidados de saúde, os portugueses têm acesso ao sistema, especialmente aqueles que são os mais vulneráveis e expostos. No público, no privado ou no social.

É incompreensível que apenas esta quarta-feira, no dia em que se bateram os recordes de infetados diariamente, quase quatro mil, o presidente da Administração Regional de Saúde (ARS) de Lisboa e Vale do Tejo tenha promovido uma reunião com os grupos privados e com a associação do setor. O que fizerem em julho, agosto e setembro? Nada.

Com o incêndio a alastrar, Temido procura o apoio de “bombeiros” diferenciados, porque é isso que têm os principais grupos de saúde privados, hospitais diferenciados. A própria ministra já tinha dito uma coisa extraordinária, e que passou sem crítica. O SNS recorrerá aos privados quando estiver sob pressão. E a preparação para essa previsível pressão prepara-se ou faz-se, ela própria, sob pressão? Não há coordenação na resposta à pandemia no SNS, não há preparação, mas há estratégia terrorista contra os grupos privados, numa guerra absurda que só serve para prejudicar quem mais precisa de cuidados de saúde.

O que saiu dessa reunião? ‘Spin’ do presidente da ARS, a acusação de que os privados não querem receber doentes Covid-19, uma afirmação desmentida pelo presidente da associação dos hospitais privados, Óscar Gaspar, em declarações ao ECO. O que se percebe? A reunião foi marcada à pressa, depois de meses de ausência total de contactos, para permitir esta acusação, foi uma ratoeira política em que os grupos privados caíram de forma ingénua, para aparecerem como os maus da fita num momento particularmente difícil.

Em março e abril, venderam-nos o milagre, escondendo o que se estava a passar com os doentes não-Covid, e o número de óbitos em 2020 relativamente à média dos últimos anos mostra como tantos ficaram para trás. Agora, isso não é possível disfarçar e o milagre transforma-se em pesadelo. Não há nenhum grupo privado de saúde que defenda o fim do SNS, mas há decisores como Marta Temido, que gostariam de ver a nacionalização de todo o serviço de saúde, por razões ideológicas e para evitar as comparações que servem para mostrar o trabalho que a ministra não faz e deveria fazer.

Marta Temido já deveria ter sido demitida no período de calmia, no verão, e quando se antecipava a segunda vaga. Agora, no meio da crise pandémica, provavelmente mais grave do que aquela que vivemos em março e abril, torna-se mais difícil substituir a ministra da Saúde. Mas é evidente para toda a gente que Temido está para esta crise como Constança Urbano de Sousa esteve para a tragédia dos incêndios de Pedrógão Grande.

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