No país dos iletrados digitais

É bom vender o cosmopolitismo lisboeta e as maravilhas da nossa internet. Mas a cosmética não vai disfarçar aquilo que Portugal ainda é.

Portugal está na moda no turismo e uma parte desse sucesso deve-se à venda do país como um centro de conhecimento digital. Afinal, é aqui que decorre a Websummit e é aqui que de vez em quando se anuncia o investimento de mais uma grande empresa tecnológica. A outra face deste país corresponde a uma força de trabalho semi-ignorante e incapaz de se adaptar para a disrupção que aí vem.

Em fevereiro, a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE) publicou um relatório sobre o futuro do trabalho – que contém resultados explosivos para a realidade portuguesa. Mas já lá vamos.

Vale a pena começar pela descrição do cenário futuro: um em cada sete empregos vai desaparecer para a automação completa e mais de um terço vai ser completamente redefinido. Isto quer dizer que perto de metade da população ativa necessita rapidamente de formação profissional, de forma a ser capaz de se adaptar às mudanças estruturais do novo mercado de trabalho.

Num mercado de trabalho com tão baixa taxa de especialização e num país tão envelhecido e com tão baixo grau de literacia – como Portugal – o impacto vai ser tremendo. O resultado inevitável da reconversão do mercado de trabalho aponta para um aumento da desigualdade, até porque os mais resistentes a formação profissional são os menos educados e mais velhos, predicados de que o mercado português está recheado.

Os resultados medem-se em sete dimensões: urgência, alcance, grau de inclusão, flexibilidade, alinhamento com as necessidades, impacto previsto e custos de financiamento. Dado o atraso nacional, Portugal é o país da OCDE que mais urgentemente precisa de reconverter a sua força de trabalho e onde está disponível menos financiamento para o fazer. No extremo oposto está a Nova Zelândia, o exemplo de uma nação que começou a preparar cedo a sua força de trabalho para as transformações estruturais.

Os alertas estão espalhados por todo o documento, com a OCDE a alertar para o facto de as maiores mudanças ainda não se fazerem sentir e para a urgência de tomar medidas que alterem o status quo. As propostas da organização vão no sentido de aumentar a cobertura dos programas de reconversão profissional, com especial atenção para os setores que mais sofrem (velhos, desempregados, migrantes e trabalhadores pouco cotados); mas também vão no sentido de alargar os apoios públicos para esta reconversão, porque ela fica muito mais barata no médio prazo.

Em Portugal, como o relatório indica, está mesmo quase tudo por fazer – apesar de o relatório apontar como positivo o esforço recente de reconversão, o desfasamento de uma força de trabalho impreparada para o futuro deixa a nu grandes preocupações. Muito disto passa pelo divórcio absoluto entre o universo escolar e o mercado, um problema real que também se tende a agravar cada vez mais. E não tinha de ser assim.

Para além das grandes nações que lideram o investimento em inteligência artificial, como os Estados Unidos ou a China, outras têm tido resultados apreciáveis na educação das populações e na modernização da sua força de trabalho. A Coreia do Sul é normalmente apontada como um exemplo, mas há outro bem mais próximo.

A Finlândia adotou uma lógica notável – e simples. Começou por educar 1% da população sobre Inteligência Artificial, através de um curso online. Participaram 55 mil pessoas em 2017, o triplo no ano seguinte. O objetivo de estender o conhecimento a outras faixas da população alastrou para lá das fronteiras e já abrange toda a União Europeia. Em 2020, o governo finlandês vai alargar o seu curso a todas as línguas oficiais da UE, de forma a dar conhecimento sobre IA a todos os cidadãos. Pode ser que ao menos alguns portugueses usem este curso que brevemente estará à disposição em português.

Ler mais: O relatório da OCDE intitulado Getting Skills Right: Future-Ready Adult Learning Systems é bastante assustador para quem se preocupa com o futuro da força de trabalho, por isso o melhor é mesmo lê-lo. Está disponível aqui.

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