
Nomeações, cargos e derrotas: Como o PS aparelhou o Estado e perdeu o país
O aparelho do Estado foi usado como ferramenta de sobrevivência política. As eleições de 2024 e 2025 confirmaram: os portugueses rejeitam o aparelhamento e exigem uma Administração Pública com mérito.
A Aliança Democrática saiu reforçada nas eleições legislativas de ontem, confirmando o rumo iniciado com a vitória de março de 2024. A direita parlamentar ampliou a sua maioria, enquanto o Partido Socialista sofreu o seu pior resultado desde os tempos de Vítor Constâncio, nas legislativas de 1985. Toda a esquerda perdeu — e perdeu bem. Foi um voto de censura a uma década de governação marcada pelo clientelismo, pela instrumentalização do Estado e pela degradação dos serviços públicos. Os portugueses votaram por mudança — e voltaram a confirmá-la.
Desde a primeira vitória da AD em 2024 iniciou-se um novo ciclo político: o país começou finalmente a inverter a tendência de aparelhamento e hipertrofia do Estado que marcou os anos de governação socialista de António Costa. Foram eliminadas estruturas redundantes, suprimidos cargos desnecessários e, sobretudo, iniciou-se a substituição progressiva (e necessária!) de dirigentes escolhidos com base em critérios partidários por quadros selecionados por mérito e competência – foi um “cleansing”. O sinal político das eleições de 2025 não podia ser mais claro: os portugueses aprovaram esse rumo e exigem que ele continue — com mais ambição, mais exigência e mais resultados.
Essa inversão era, e continua a ser, absolutamente necessária. Entre 2015 e 2024, Portugal registou uma expansão notável — e preocupante — da sua Administração Pública. O número de funcionários públicos aumentou 14%, passando de 659 mil para 754 mil. No entanto, o dado mais revelador não está na simples expansão da força laboral do Estado, mas sim na proliferação de cargos de chefia: o número de dirigentes superiores e intermédios disparou 45%, atingindo o máximo histórico de 15.921 cargos diretivos até ao final de 2024.
Ora, este fenómeno não foi acidental. Representou uma estratégia deliberada de aparelhamento da máquina pública com o objetivo de consolidar redes de poder político-partidário, garantir lealdades internas e ampliar a influência do PS sobre as estruturas do Estado. A função pública passou a ser vista, por sucessivos governos socialistas, não como um instrumento de resposta eficaz às necessidades dos cidadãos, mas como um reservatório de votos úteis e um espaço de colocação para quadros fidelizados. É uma lógica perigosa e insustentável: contratar não com base na missão do Estado, mas com base na conveniência eleitoral. Transformar o acesso a um emprego público num mecanismo de dependência partidária enfraquece a democracia, distorce a economia e cria uma cultura institucional de subserviência em vez de competência.
Este modelo é ainda mais anacrónico quando olhamos para a evolução estrutural das economias modernas, nas quais Portugal se insere. O FMI, num capítulo recente do World Economic Outlook, já alertou para uma tendência inegável e acelerada: o fator trabalho está a perder peso na função de produção, face à ascensão do capital e da tecnologia — é um simples fato. A automação, a digitalização e a inteligência artificial estão a reconfigurar a forma como produzimos bens e serviços — públicos ou privados. É precisamente por isso que o Estado moderno, incluindo o Português, não precisa de mais pessoas: precisa de melhores pessoas, mais bem formadas, com mais ferramentas e com objetivos claros. A digitalização dos serviços públicos, a interoperabilidade dos sistemas e os avanços tecnológicos permitem hoje resolver com meia dúzia de cliques tarefas que antes exigiam departamentos inteiros. Persistir na expansão do número de funcionários é, neste contexto, uma escolha política deliberada — e desfasada da realidade.
Durante quase dez anos, o PS recusou essa evidência. Em vez de modernizar, optou por multiplicar. Em vez de redesenhar processos e funções, preferiu adicionar camadas e cargos. E em vez de alinhar a Administração Pública com os desafios do século XXI, manteve uma visão centralista, hierárquica e opaca do Estado — um Estado pensado mais para proteger a sua própria estrutura do que para servir os cidadãos. Cada novo cargo representou um encargo permanente para os contribuintes, sem retorno económico ou social claro. Em vez de investir em educação, saúde ou inovação, canalizaram-se recursos para manter estruturas de comando político. E os resultados foram visíveis: mais despesa, menor eficiência, serviços públicos sob pressão e cidadãos cada vez mais desconfiados das instituições.
Durante anos, o PS escudou-se num discurso enganador, apresentando o alargamento da máquina estatal como condição para defender o Estado Social. Mas essa retórica serviu para encobrir um objetivo diferente: usar o aparelho do Estado como veículo de perpetuação no poder. Não houve melhorias substanciais nos serviços públicos. Pelo contrário: as listas de espera cresceram, as escolas ficaram sem professores e os serviços administrativos continuaram morosos e ineficazes. Cresceu o Estado — não os resultados! Esta forma de gerir a Administração Pública — com base em interesses, fidelidades e nomeações — corroeu a meritocracia, travou a inovação e desviou talento do setor produtivo. Criou um ambiente de duplicações, redundâncias e sobreposição de funções, altamente disfuncional num país com recursos limitados e enormes desafios estruturais.
Foi contra esta lógica que a AD começou a governar em 2024, revertendo nomeações arbitrárias, extinguindo organismos obsoletos, iniciando processos de fusão de várias estruturas e implementando critérios objetivos para a ocupação de cargos dirigentes. E é precisamente esse trabalho que agora as eleições de maio de 2025 vêm legitimar e reforçar. O país precisa de uma Administração Pública que funcione — não de um sistema para alimentar clientelas. Precisa de uma máquina leve, ágil, transparente e orientada para resultados. Precisa de serviços públicos exigentes, com metas, com avaliação e com prestação de contas. Precisa de uma cultura que valorize o mérito — não a obediência partidária.
Claro que a solução não está em cortes cegos nem em discursos anti-funcionalismo. Está, sim, numa reforma estrutural (!), tecnicamente sustentada e institucionalmente blindada, que traga objetivos claros, métricas de desempenho, responsabilização e, acima de tudo, resultados. Um Estado moderno tem de ser uma plataforma de apoio à sociedade, e não um fim em si mesmo.
Num país com baixo crescimento atual e potencial, carga fiscal elevada e recursos finitos, a eficiência do Estado não é nem pode ser um luxo: é uma condição de sobrevivência. O futuro da Administração Pública não passa por mais contratações — passa por mais exigência. E o voto dos portugueses mostrou, duas vezes em dois anos, que é precisamente isso que esperam de quem governa.
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