No país das pátrias perdidas, Portugal merece a oportunidade de uma escolha entre o sossego do atraso e o desassossego do progresso.

A política portuguesa anda à procura de um herói. Depois do fracasso da maioria socialista, não se discutem as causas do colapso de um PS fechado no seu próprio labirinto. Liderado por um camaleão político, o PS desliza para a esquerda, inverte a marcha para o centro, ocupa o vazio político e despreza um PSD destroçado e sem ideias bem longe do poder.

A grande política do PS é o desprezo pelo PSD. A grande virtude do PS é ser um partido fechado transformado pelo poder e só pelo poder. O PS é hoje o partido da santidade em plasticina em que a identidade política se resume em manter o poder. A campanha interna para escolha do novo líder do PS é uma reticência burocrática impulsionada pela ambição dos instalados na vida e dependentes da política. E porque são de esquerda julgam-se intocáveis, ponto final.

Os candidatos não são reitores da política nem generais da causa pública. Os candidatos têm as credenciais extraídas de um projecto falhado que levou o país à descrença de uma crise em pleno consulado das “contas certas”. E dentro do PS as seitas separam-se porque o poder está em perigo e não há lugar para os compromissos que só o poder garante. Temos um candidato “soarista” e temos um candidato “esquerdista”. O candidato “soarista” afirma o compromisso com a história do PS, embora tenha servido num governo que matou o projecto soarista. O candidato “esquerdista” afirma o compromisso à esquerda como matriz de um PS que só existiu nos últimos oito anos. O candidato “soarista” é a direita do PS. O candidato “esquerdista” está para além da esquerda do PS. No coração do PS fica um buraco negro que é a marca da identidade do PS e a marca da identidade da democracia portuguesa – o “centro democrático” como concretização da estabilidade do regime e do progresso do país. Este é o legado do Primeiro-Ministro demissionário na forma de um “cadáver esquisito” inacabado.

A escolha que Portugal enfrenta neste PS intoxicado pelo vício do oportunismo é a opção entre personagens menores num enredo pouco edificante. São ambos seres do sistema, “eminentes mediocridades” que sobrevivem ao suicídio do líder que um dia se julgou imortal e se fez passar por Napoleão. Sem sombra de sentimentalismos, sem um segundo para autocríticas, os candidatos a imperador socialista são funcionários partidários com credenciais no partido e cadastro no país.

Há sempre um certo encanto nas figuras menores, naquele delírio inflamado ou contido em que cabem todas as políticas do mundo e ainda sobra tempo para a agenda nacional. Têm tudo para salvar Portugal embora se tenham esquecido de salvar Portugal quando podiam salvar Portugal. Agora é apanhar o programa desfeito pela realidade e pela prática política e, como um comediante falhado na matinée, apresentarem-se sem consciência ou vergonha para a soirée com os adultos. Fica a moral democrática de uma história moderna – em democracia há sempre o direito ao insulto.

Do outro lado, os portugueses observam o bloco da direita ou os fragmentos da direita ou o PSD à procura de uma configuração interna no arquipélago das direitas. O PSD não tem um líder “carismático”. O PSD sem poder asfixia como um dinossauro no “gonçalvismo”.

A direita está pulverizada em projectos vocais e infantis que se levam muito a sério. Liberais excitados, radicais extremados, todos se julgam o futuro da nação órfã e empobrecida. São como génios de uma feira num país doente. Perante a doença secular e incurável, liberais e radicais apresentam a receita política infalível que sempre que foi testada sem “penso gástrico” causou mais danos do que aqueles que promete curar. Mas como a memória é curta, o conhecimento é escasso, o delírio é grande, eis a explosão vocal de um nova direita em que a grande novidade é apenas ser velha. Porque é nova e porque é velha, a direita portuguesa vive a senilidade política de uma segunda infância.

Em processo de refundação, o PSD encontra no espaço vazio ao centro a zona de conforto para uma nova vida política. Mas o centro político a reconstruir tem de ter a clássica configuração de um “centro radical”. Um “centro radical” capaz de fazer deslocar o centro do debate político para a direita. A definição da geografia do centro representa o domínio dos temas do debate político e marca a definição da identidade das políticas públicas.

O pêndulo político tem de oscilar com a latitude possível para integrar as várias tendências políticas dispersas. Só deste modo a direita poderá deixar de ser uma confusão de fragmentos para se tornar num projecto alternativo à esquerda. Recuperando a identidade social-democrata o PSD abre-se ao centro-esquerda. Cultivando a matriz popular-democrata o PSD expande-se à direita. Face à ortodoxia dos tempos polarizados, o PPD/PSD precisa de um herói político para deixar de “desamar as nossas coisas” como país.

No país das pátrias perdidas, Portugal merece a oportunidade de uma escolha entre o sossego do atraso e o desassossego do progresso.

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