O 27 de abril e a revolução de André Villas-Boas

Organizações que movem centenas de milhões e têm mediatismo sem paralelo, têm também a obrigação de agir de forma ética e transparente. É esse o mandato que os sócios deram a Villas-Boas.

Comecei, pela mão do meu pai, a ir aos jogos do Futebol Clube do Porto no final dos anos 1970. Tive a sorte de crescer nas escadarias de cimento do velho Estádio das Antas durante um período dourado de ascensão do clube.

Mais tarde, já a viver noutras partes do país e do mundo, pude celebrar o domínio nacional e a reputação internacional que o clube ganhava através da equipa de futebol sénior masculino. Estamos a falar de pentas e tetras, de UEFA e Taça e Liga dos Campeões, de goleadas históricas a rivais históricos. Tudo isto sob a batuta de Jorge Nuno Pinto da Costa, que soube escolher as estratégias e as equipas necessárias para esses sucessos, incutindo um espírito de união, garra e competitividade inigualável.

Longe de ser o único clube importante da Invicta e muito menos do Norte inteiro, tornou-se, contudo, naquele que mais representava a cidade e a região. O presidente do clube usava (e abusava) do “nós contra eles”, do Norte versus Sul, numa estratégia de polarização que criava apoio e ambição, mas também um clima de guerra que perdura até hoje no futebol português.

Infelizmente, os exageros não terminavam nesse grito de combate. No campo financeiro foram ficando óbvios nos últimos anos. Não é preciso ser jornalista de economia para reparar nas perdas, no passivo, nas remunerações inflacionadas de administradores e agentes. Isto para não falar no Financial Fair Play, na opacidade do clube em relação a temas cruciais como transferências, acordos comerciais, a entrada de novos investidores ou até mesmo o naming do estádio.

Mas, acima de tudo, o exagero tem sido visível no campo ético e moral. A administração do clube manteve ligação a elementos da claque que usam práticas condenáveis como a violência, as ameaças e outras atividades ilegais para se aproveitarem da instituição para benefício próprio. As cenas lamentáveis da última Assembleia Geral terão será sido, para muitos, a última gota. A campanha da Lista A também foi exageradamente agressiva, com Pinto da Costa mais dedicado a conduzir ataques ao candidato André Villas-Boas do que a propor soluções credíveis para o clube, provavelmente reflexo de receios sobre um resultado negativo que se veio a confirmar na votação.

Apesar destas tensões crescentes, as eleições de sábado acabaram, felizmente, por decorrer de forma pacífica, tanto no processo como na aceitação do resultado pelos derrotados. A afluência recorde foi um sinal de vitalidade do clube. Terá sido também, muito provavelmente, fator chave para a vitória estrondosa do ex-treinador, com sócios a fazerem questão de ir votar na mudança. A grande maioria deles estarão gratos a Pinto da Costa por tudo que fez pelo clube, como se viu na homenagem das bancadas do Dragão aos 42 minutos do clássico contra o Sporting no domingo, para marcar o número de anos na presidência, mas já não queriam estar associados à forma como estava a ser conduzido.

Começa agora uma nova era, com um jovem presidente cujo portismo e coragem são inquestionáveis e que como treinador marcou uma (infelizmente só) época de glória no Porto. Mas não haja ilusões, não vai ser um mar de rosas para Villas-Boas. Há dúvidas sobre a experiência que traz para um cargo desta responsabilidade, sobre a lista que apresentou (fechada e pouco diversificada, dizem alguns críticos) e as ligações internacionais que vai fomentar.

Os desafios financeiros do clube são enormes, como sabemos, e isso condiciona em muito as possibilidades no campo desportivo. O resultado expressivo nas eleições vai ajudar, mas não há como negar que há divisões enormes e que vão surgir fações críticas à nova administração logo de início.

Em termos de economia, é importante não só para o clube, mas também para a cidade, para a região e para o país que o Futebol Clube do Porto estabilize para tentar ter resultados positivos e fomentar investimento.

Mas, acima de tudo, organizações desportivas que movem milhões de pessoas, para não falar em centenas de milhões de euros, têm mediatismo praticamente sem paralelo e por isso têm também a obrigação de serem geridas de forma ética, transparente e pedagógica. É esse o mandato que os sócios deram a André Villas-Boas. Esperemos que consiga cumprir.

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