Independentemente dos detalhes técnicos do que se passou, o problema estará no investimento nas redes, e não num hipotético défice de geração e falta de potência firme, como carvão (ou nuclear).

Com o sol a brilhar, pelas 11h30 da manhã, o sistema elétrico de Portugal e o sistema elétrico Espanha colapsaram e milhões de consumidores ficaram sem eletricidade. O apagão durou 10 horas. Ainda é cedo para podermos perceber, com exatidão e rigor técnico, o que se passou, mas há coisas que já podem ser ditas, seja sobre a centralidade das redes elétricas para a estabilidade do sistema elétrico, seja sobre a necessidade da modernização e digitalização (incluindo Inteligência Artificial – IA) da operação e gestão das redes e sistemas elétricos, seja sobre as centrais renováveis, a carvão e as nucleares.

Comecemos pelo fim, ou seja, pelas opções da atual política energética de Portugal e Espanha, que favorecem as renováveis – solar, eólico, hídrica, com e sem bombagem, e baterias. À hora em que aconteceu o apagão, havia muito sol, havia vento e as barragens estavam cheias. Independentemente dos detalhes, que só uma investigação aprofundada permitirá conhecer, já podemos dizer que o apagão não foi causado por um défice de geração ou produção.

Não havia nem falta de potência, nem falta de energia elétrica no sistema. Se Portugal não tivesse fechado as Centrais de Sines e Pego, às 11h30 da manhã da passada segunda-feira ambas as centrais a carvão estariam paradas, porque a quantidade de solar, eólica e hídrica no sistema elétrico era mais do que suficiente para satisfazer o consumo de energia elétrica a essa hora. Ou seja, a manutenção em exploração das centrais a carvão em Portugal nada teria feito para evitar o que se passou.

Por outro lado, as centrais a carvão também não teriam servido para conter o problema após este ocorrer, pois estas centrais não tinham instalados os equipamentos necessários para fazer o arranque autónomo ou black start e, no fundo, reiniciar a produção de eletricidade no sistema elétrico nacional. Portanto, teríamos de pagar a manutenção das centrais a carvão, que ficariam ociosas, porque sem esse pagamento essas centrais não são economicamente viáveis, e onerávamos todo o sistema e todos os consumidores de eletricidade sem que tal se traduzisse em qualquer tipo de benefício para o sistema elétrico nacional.

No caso concreto, o sistema teria de pagar por algo que não teria evitado o apagão de segunda-feira. Por fim, a ideia de que temos poucas centrais elétricas a prestar o serviço de arranque autónomo também não tem qualquer relação com o encerramento das centrais a carvão, como já referi, tanto mais que sempre existiu esta capacidade técnica apenas na central hidroelétrica de Castelo de Bode e na central de ciclo combinado a gás natural da Tapada do Outeiro, situada em Gondomar. Manter (artificialmente) as centrais a carvão disponíveis teria sido um desperdício económico e de pouca valia técnica para o sistema elétrico, pagar para não usar.

As soluções para os sistemas elétricos do futuro não estão seguramente na adoção de soluções caras, pouco flexíveis e poluentes do passado, desenquadradas das necessidades do presente e do futuro. Estão no pleno reconhecimento de que um sistema elétrico de futuro tem de investir mais em redes elétricas e, sobretudo, tem de apostar fortemente em soluções digitais e no potencial da IA para garantir a gestão otimizada de um sistema crescentemente complexo e descarbonizado, dominado por renováveis variáveis.

Olhemos, sim, para as redes elétricas – para o investimento e modernização das redes, para a modernização e digitalização da sua operação e da sua gestão. Independentemente dos detalhes técnicos do que se passou, o problema estará aqui, e não num hipotético défice de geração e falta de potência firme, como carvão (ou nuclear), como alguns críticos se apressaram a defender. Sabemos que o aumento da penetração das renováveis introduz desafios significativos à gestão do sistema elétrico e coloca pressão nas redes. Mas isto não é uma crítica às renováveis – no sentido em que não é um argumento em favor de fontes alternativas, como o carvão ou o nuclear -, apenas o reconhecimento de que sistemas elétricos crescentemente dominados por renováveis e recursos descentralizados obrigam a transformar o modo como se gere e se mantém, a todo o momento, a estabilidade do sistema e o cumprimento de padrões de segurança.

Isto requer investimento convencional em redes elétricas (mais linhas, mais redundâncias e outros equipamentos de apoio), mas também e, sobretudo, tem de apostar fortemente na flexibilidade associada ao armazenamento e às soluções digitais e no potencial da IA para garantir a gestão otimizada de um sistema crescentemente complexo e descarbonizado, dominado por renováveis variáveis. Portanto, sim as renováveis colocam desafios aos sistemas elétricos. Mas não, a manutenção das centrais a carvão nada faz para mitigar ou resolver esses desafios.

As soluções para os sistemas elétricos do futuro não estão seguramente na adoção de soluções caras, pouco flexíveis e poluentes do passado, desenquadradas das necessidades do presente e do futuro. Estão no pleno reconhecimento de que um sistema elétrico de futuro tem de investir mais em redes elétricas e, sobretudo, tem de apostar fortemente em soluções digitais e no potencial da IA para garantir a gestão otimizada de um sistema crescentemente complexo e descarbonizado, dominado por renováveis variáveis.

Proteções rígidas e estáticas do passado, que foram criadas para assegurar a estabilidade e o funcionamento do sistema dentro de determinados padrões de segurança, podem revelar-se desadequados para sistemas elétricos do futuro, porque certas proteções (rígidas e estáticas), ao invés de contribuir para a estabilidade global do sistema, podem, em certas circunstâncias, ampliar perturbações locais e gerar efeitos cascata que levam ao colapso de todo o sistema. Pode ter sido isso que se passou, com um problema de sobretensão, que, como se fosse um dominó, levou ao colapso de todo o sistema elétrico espanhol, do sistema elétrico português e a perturbações momentâneas do fornecimento de eletricidade numa parte do sul de França (País Basco francês).

Em breve, depois das análises técnicas dos Operadores das Redes de Transporte de eletricidade incluindo da sua associação europeia, saberemos em detalhe o que se passou e, também, o que temos de adaptar, melhorar e transformar para assegurar sistemas elétricos estáveis, resilientes e competitivos. Mas este será sempre um investimento e uma transformação modernizadora, virada para o futuro, e nunca uma regressão que aposta em soluções inúteis (caras e poluentes) do passado. Muito já foi feito neste campo. E a REN tem feito um trabalho notável ao nível dos serviços de sistema, nomeadamente promovendo a participação das renováveis na estabilização do sistema. A REN também está de parabéns pela (relativa) rapidez com que foi capaz de recuperar o sistema e o fornecimento de eletricidade.

Resta agora aprender com o que se passou e investir a sério em soluções de flexibilidade e resiliência, aprofundando o que tem sido (bem) feito, sem recuos ou hesitações.

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O Apagão

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