Editorial

O Banco de Portugal ao serviço de Centeno

Mário Centeno transformou o Banco de Portugal numa instituição unipessoal, ao serviço dos seus interesses e objetivos profissionais e políticos.

Já se desconfiava, as mais recentes notícias anunciavam-no, mas agora torna-se evidente: A Mário Centeno não chega ser governador do Banco de Portugal (BdP), a sua ambição ultrapassa a instituição, e isso seria aceitável se não estivesse a usá-la em benefício próprio, do seu futuro profissional e político. A decisão inusitada de publicar uma análise económica em nome próprio cria um precedente que fragiliza, em primeiro lugar, o próprio Banco de Portugal e reforça o que já era uma perceção de dependência face ao Governo.

Mário Centeno é, legitimamente, um homem ambicioso, e tem boas razões para isso. Entrou na política a medo, saiu profissional. Saiu do Governo com uma enorme popularidade, coisa invulgar para um ministro das Finanças, mesmo depois de uma política de “contas certas” com cativações e os bons ventos do BCE. Quis ser diretor-geral do FMI, depois de ter tentado passar a gestor em full-time do Eurogrupo, mas acabou por lhe restar a governação do Banco de Portugal. Uma promoção, até salarial, para quase todos, uma frustração para Centeno. Seguiu a estratégia da porta giratória que deveria ter sido chumbada por Marcelo — o que faria hoje? –, das Finanças para o Banco de Portugal.

Às incursões internacionais de Centeno cada vez mais assíduas, aos périplos pelo país, seguiram-na nas últimas semanas pelo menos três notícias que confirmavam a tese de que o ex-ministro já está a pensar no dia seguinte ao fim do atual mandato. O que quer Centeno?, um almoço de celebração (!?) dos três anos da saída do Governo e uma hipotética candidatura a Belém com o apoio do PS são três notícias a apontar no mesmo sentido. Centeno quer muito mais do que o Banco de Portugal, provavelmente nem o próprio saberá exatamente qual será a melhor opção, mas já começou a trabalhar para isso.

A decisão de passar a publicar uma posição pública anual em nome próprio sobre a economia portuguesa — será para manter em setembro de cada ano que falta de mandato ou será quando Centeno quiser? — é uma iniciativa política com enormes problemas para o próprio Banco de Portugal e para a sua credibilidade e independência.

Nesta análise de Centeno, ressalta o que foi o título do ECO — o risco do BCE de ‘fazer demais’ no aumento dos juros começa a ser material — e os avisos sobre a necessidade de manter contas equilibradas e a redução da dívida. O texto, de resto, é pouco mais do que um artigo de opinião e não compara com a profundidade das análises regulares do próprio Banco de Portugal. Mas na verdade o seu conteúdo é o que menos interessa aqui.

Comecemos pelo início. Centeno inspirou-se numa prática que é seguida pelo seu colega francês, mas com enormes diferenças. François Villeroy de Galhau, o governador do Banco de França, escreve em nome próprio ao Presidente francês, e depois publica essa posição. Mas convém recordar o regime presidencial francês. Ora, até agora, o Banco de Portugal publica boletins económicos trimestrais, dois deles com projeções económicas, e dois relatórios de estabilidade financeira, que têm a assinatura da própria instituição. São, de resto, aprovados pelo conselho de administração do Banco de Portugal, o conselho que é presidido por Centeno.

Surgem várias perguntas desta inovação de comunicação de Mário Centeno, mas há uma que ressalta imediatamente: Se o Banco de Portugal já publica vários documento de análise económica, muitos deles protagonizados pelo próprio governador, e se há agora uma publicação anual com assinatura de Centeno, qual é a posição que conta, qual é a projeção que deve ser levada em conta? Dito de outra forma, se dizem a mesma coisa, qual é a necessidade de haver dois modelos de comunicação? E se dizem coisas diferentes, em qual devemos acreditar? Seria, aliás, interessante saber qual é a posição do Departamento de Estudos Económicos do Banco de Portugal sobre esta comunicação e também dos outros membros do conselho de administração.

Regra geral, a melhor explicação é a mais simples: Centeno está a usar o Banco de Portugal para fazer política, mas isso tem um preço, a fragilização das instituições. Seja para preparar a candidatura a Belém (os auto-elogios do que foi feito entre 2015 e 2020 chegam a ser constrangedores), seja para abrir espaço para outros voos que o calendário também favorece, por exemplo a Comissão Europeia ou até a comissão executiva do BCE, esta inovação, chamemos-lhe assim, põe o governador acima do Banco de Portugal, põe uma instituição ao serviço de Centeno.

Carlos Costa geria o Banco de Portugal de forma colegial, Mário Centeno transformou o Banco de Portugal numa instituição unipessoal. Não existe mais ninguém (talvez apenas o chefe de Gabinete Álvaro Novo, uma espécie de vice-governador-sombra). O conselho de administração é um órgão morto.

Isso pode ser muito útil no curto prazo, para o próprio e para o Governo, porque as ambições de Centeno dependem sempre de Costa, mas são um enorme problema para o país, para a independência do Banco de Portugal e também para a governadora que se seguirá (a atual vice-governadora, Clara Raposo, se a atual legislatura de Costa for até ao fim).

Portanto, Mário Centeno tem a obrigação de clarificar o que quer fazer no futuro próximo — no mínimo como o fez Marques Mendes — para que não subsistam dúvidas sobre a condição em que o governador toma posições públicas ou sobre as próximas análises do próprio Banco de Portugal.

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