Editorial

O capitalismo está doente. E precisa de ser reformado

Para quem defende a democracia liberal e o capitalismo, a única solução passa por denunciar o que são os seus pecados. Sem proteger aqueles que usam e abusam das suas virtudes.

O capitalismo sofreu duros golpes na última década, lê-se esta semana na The Economist. E o sentimento de que o sistema foi desenhado para proteger os donos do capital à custa dos trabalhadores é profundo, acrescenta a revista liberal britânica. Nem de propósito: O patrão da gigante automóvel Renault-Nissan, Carlos Ghosn, está a ser investigado por fraude fiscal no Japão e foi detido esta segunda-feira. Também tivemos ‘disto’ em Portugal nos últimos anos, como se sabe, e ainda sem consequências judiciais em muitos desses casos. O capitalismo precisa de ser reformado por quem acredita verdadeiramente nas suas virtudes.

Nas últimas semanas, a revista The Economist centrou a sua atenção editorial na necessidade de rever os princípios do liberalismo e a elaborar um novo manifesto para o século XXI, primeiro, e agora, do próprio capitalismo. Não estavam a antecipar o que se soube esta segunda-feira com Carlos Ghosn, mas este caso é apenas mais um a dar razão aos que consideram que o modelo de democracia liberal e capitalista tal e qual o conhecemos está doente. E permite a eleição de figuras populistas como Trump ou Bolsonaro, como Orbán ou Maduro. De extrema-esquerda ou de extrema-direita, sem ideologia, mas sem menos populismo, são todos expressões do que é uma espécie de ‘complacência’ dos que mais beneficiaram com a democracia liberal e o capitalismo. Complacência com a desigualdade, com a concentração de riqueza, com o aproveitamento ilícito que alguns fizeram do sistema que permitiu uma evolução económica e social do mundo sem precedentes.

Como nos conta a jornalista Leonor Mateus Ferreira, num trabalho que o ECO publicou esta segunda-feira sobre os casos em que é a própria empresa a denunciar os seus gestores, “o gestor brasileiro de ascendência libanesa era um dos poucos estrangeiros a ocupar uma posição de liderança no Japão. Ghosn chegou à Nissan, em 1999, para o lugar de presidente executivo e para liderar a recuperação do fabricante, com sede em Yokohama, depois de ter oficializado uma aliança com a francesa Renault. Conseguiu dar a volta ao grupo, salvando-o da ameaça de falência. Quase duas décadas depois, foi a própria Nissan a anunciar que Ghosn utilizava ativos da empresa para uso pessoal. O brasileiro é também suspeito de ter subestimado as declarações de impostos pessoais, depois de, em junho, os acionistas da Renault terem aprovado um prémio de 7,4 milhões de euros. A esse valor acrescem ainda 9,2 milhões de euros que recebeu no último ano enquanto CEO da Nissan”. Leram bem: 16,6 milhões de euros não terão sido suficientes para saciar a gula financeira de Ghosn. Dispenso-me de citar os casos em Portugal, mas o perfil é o mesmo.

O que é que leva um gestor de topo como Ghosn a romper o contrato de confiança com a sociedade, que afeta o próprio, a empresa que lidera, mas sobretudo o sistema que lhe permite tal ação? Vale para gestores, vale para jogadores de futebol, vale para todos aqueles que ganham milhões e, mesmo assim, procuram maximizar os seus proveitos à margem da lei ou, sejamos benevolentes, à custa de leituras expeditas dessa mesma lei.

Há determinadas respostas que podem minimizar a má reputação que casos como este dão ao capitalismo. Em primeiro lugar, como sucedeu neste caso, a própria empresa denunciou o seu gestor, e pediu desculpa aos trabalhadores e investidores. Depois, o próprio mercado penalizou de forma grave este comportamento e as ações da empresa caíram a pique. Finalmente, este caso mostra como a boa governação das empresas é essencial, a fixação de regras de separação de poderes dentro de uma companhia, a fiscalização dos gestores executivos por parte de administradores (mesmo) independentes. E uma justiça célere, que puna de forma exemplar aqueles que aproveitam em benefício próprio um sistema que continua a ser o melhor para o desenvolvimento económico e social das sociedades.

Do ponto vista do próprio capitalismo como o conhecemos, há um caminho que deveria estar no centro da decisão de políticas públicas: Concorrência e mercados abertos, sejam os de produto ou de mercado.

Para quem, como o ECO, defende a democracia liberal e o capitalismo, a única forma de os defender passa por denunciar o que são os seus pecados. Sem proteger aqueles que usam e abusam das suas virtudes em benefício próprio.

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