Editorial

O ‘dia d’ numa economia de guerra

A atenção do país está centrada na comunicação de Marcelo Rebelo de Sousa e no "estado de emergência", mas o que vai ditar o nosso futuro é o plano económico para travar uma recessão profunda.

Hoje, 18 de março de 2020, é o ‘dia d’ desta ‘economia de guerra’ em que já estamos a viver, e não é por causa do que estará a pensar, não é por causa do Conselho de Estado e da decisão de Marcelo Rebelo de Sousa em relação ao “estado de emergência”, é mesmo por causa do que os ministros das Finanças e da Economia (não) vão apresentar esta manhã. Os casos de infetados continuam a curva exponencial que se esperava, a União Europeia fechou as fronteiras, portanto, nesta economia de guerra que já soma milhares de mortos só faltam mesmo as armas, e até já há sinais do caminho para a servidão de que nos falava Hayeck, também aqui em Portugal.

À hora que escrevo esta editorial, as informações sobre o que será anunciado são limitadas, uma notícia aqui, uma notícia ali, que consideradas individualmente vão no bom caminho, mas nos indicam, por outro lado, que o Governo não estará a perceber o alcance da destruição de produção que vai acontecer nos próximos meses em Portugal. Lembram-se de José Sócrates a anunciar ao país no orçamento de 2011 — portanto, em outubro de 2010 — que Portugal estava metido na pior crise dos últimos 80 anos? Agora, acreditem, é que é. Naqueles anos, a política orçamental potenciou os problemas do país, as suas fragilidades, o défice externo e o défice e a dívida públicas. Mas havia países na zona euro, na Europa e no mundo a crescer. Agora, a travagem económica abrupta é transversal ao globo. A pandemia do novo coronavírus é isso mesmo, global.

O que é preciso? Ação decisiva, como aquela que vimos esta terça-feira em Espanha com o anúncio, pelo primeiro-ministro (e este não é um pormenor, dá a ideia da dimensão do que está em causa) de um plano de apoio à economia da ordem dos 200 mil milhões de euros, pouco menos do que a riqueza criada por Portugal em cada ano. À nossa escala, qualquer programa com uma dotação inferior a 30 mil milhões de euros é pouco menos do que um plano para entreter, para gerir o tempo, as falências, e esperar que a sorte — ou a disponibilidade da senhora Merkel — faça o resto.

Enquanto discutimos, e bem, a dimensão de de saúde pública, e o que ainda há a fazer, à medida que se tomam medidas de restrição das liberdades para conter o novo coronavírus, a gestão política da resposta à destruição de valor que está em causa é de mínimos. Justifica, desde já, uma pergunta: Uma resposta musculada, à dimensão do que a economia e os bancos precisam, é simplesmente impossível porque a consolidação orçamental dos últimos cinco anos tem pés de barro?

É absolutamente incompreensível a timidez das respostas, e hoje, quarta-feira, é o dia para perceber se as empresas podem contar com a liderança política do Governo ou esperar pela sorte.

Uma moratória de pagamentos de empresas e de famílias aos bancos é apenas o primeiro ponto, mas não chega. Se nada for feito, nos próximos três a seis meses haverá mesmo uma moratória de dívidas à banca, mas à força, com falências e desemprego. Se foram dados aos bancos os mecanismos regulatórios para que essa moratória não impacte os rácios de capital dos bancos, ganha-se tempo. Mas não chega. É preciso muito mais. E já. Sem eufemismos, ‘já’ é mesmo nas próximas duas a quatro semanas.

As empresas vão perder receita de forma acelerada neste segundo e terceiro trimestres. A moratória não lhes devolverá receitas, e é isso que precisa de ser feito. Como? Só será possível com empréstimos com garantia de Estado e com um período de reembolso no mínimo de cinco anos, correspondente à receita que essas empresas perderam. Portugal não tem um verdadeiro banco promocional — estava prometido por Siza Vieira a refundação do IFD, mas ainda não saiu do papel —, mas tem uma sociedade de garantia mútua.

As regras devem ser suficientemente gerais e abstratas para que não seja o poder político a decidir que empresas devem beneficiar e que empresas devem cair. O Fisco é um ‘big brother’ com informação detalhada sobre o universo empresarial português, por isso consegue saber exatamente, através do IVA pago pelas empresas, o que foi a redução de receita neste trimestre de “economia de guerra”.

É claro que estes programas de garantias públicas têm de ser financiados, e a única forma de o fazer é ao nível europeu, com ou sem garantia do BCE. Por exemplo, através do Mecanismo Europeu de Estabilidade, o embrião do FMI europeu. Angela Merkel abriu a porta às eurobonds, veremos se tem poder político na Alemanha para fazer aprovar um programa europeu desta dimensão.

Se tudo isto for feito, ou algo de parecido, a economia poderá regressar no segundo semestre a uma curva de recuperação, necessariamente lenta, porque o turismo, que vale quase 15% do PIB português, não vai recuperar de um mês para o outro. Enfrentaremos uma recessão em 2020, isso já é certo, mesmo nos melhores cenários.

Contudo, se o Governo não apresentar nada de parecido com estas linhas que acabou de ler, prepare-se para o pior, e não espere o melhor. Se, como tudo indica, Marcelo Rebelo de Sousa juntar à incapacidade de liderança do Governo o “estado de emergência”, se o Presidente se decidir por fechar o país, coisa que parece inevitável para recuperar o protagonismo político perdido para António Costa, o que vivemos no período da troika terá sido uma brincadeira em relação àquilo que nos espera nos próximos anos. Um recessão profunda, e sobretudo a destruição da capacidade produtiva que impedirá uma recuperação nos anos que se vão seguir.

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