O engodo de um “brilharete orçamental”

A execução orçamental tem um superavit que resulta de muitos impostos, baixo investimento público e serviços públicos em colapso.

O resultado da execução orçamental de 2023, em contabilidade pública, com um superavit de 7.3 mil M€, é um verdadeiro “engodo”. Isto porque resulta de muito mais impostos e contribuições (mais 10 mil M€ do que em 2022) e menos investimento público do que o prometido no OE23 (menos 2.5 mil M€).

Este resultado é alcançado porque o governo cobrou em receita fiscal mais 7 mil M€ do que em 2022 e mais 6.5 mil M€ do que o previsto inicialmente no OE23. Se juntarmos as contribuições para a Segurança Social (mais 2.8 mil M€ em 2023 face a 2022 e mais 2 mil M€ face ao previsto no OE23), temos que a receita fiscal e contributiva aumentou, em 2023, mais 10 mil M€ do que em 2022 (e mais 8.5 mil M€ do que o inicialmente previsto no OE23). Já o investimento público é ao contrário. O governo executou apenas mais 700 M€ em 2023 face a 2022 (mas esse valor representa menos 2.5 mil M€ do que o inicialmente previsto no OE23).

Vamos então escalpelizar as contas.

O governo projetou no Orçamento do Estado para 2024 um superavit para 2023 de 0.8% do PIB, em contas nacionais. Em contabilidade pública (ótica caixa), projetava-se um superavit de 4.7 mil M€, cerca de 1.8% PIB.

A execução orçamental de dezembro, em contabilidade pública, apresenta um superavit de 7.3 mil M€, ou seja, mais 2.6 mil M€ do que o projetado em outubro para o ano de 2023. Assim, o superavit em contabilidade pública ficou em cerca de 2.8% PIB, ou seja, mais cerca de 1 p.p. do PIB que o estimado.

Recorde-se que em 2022 o défice em contabilidade nacional ficou em 0.3% PIB, sendo que em contabilidade pública o défice cifrou-se em 3.6 mil M€, ou seja, cerca de 1.5% PIB.

Mas como chegou o governo a esse resultado?

Se compararmos a execução orçamental de 2023, em contabilidade pública, com a de 2022, vemos que a receita fiscal aumentou 7 mil M€, as contribuições para a Segurança Social aumentaram 2.8 mil M€, e a receita total aumentou 15.4 mil M€.

Ou seja, em receita fiscal e contributiva o governo cobrou em 2023, face a 2022, praticamente mais 10 mil M. Já a despesa efetiva cresceu 4.6 mil M€, sendo que a despesa de investimento cresceu apenas mil M€.

No OE23, o governo previa um défice de 0.9% para 2023 em contas nacionais, sendo que em contabilidade pública o governo previa um défice de 3.2 mil M€.

Se compararmos a execução orçamental de 2023, com o previsto no OE23, vemos que a receita fiscal ficou 6.5 mil M€ acima do estimado, sendo que as contribuições para a Segurança Social ficaram quase 2 mil M€ acima do estimado. Ou seja, em receita tributária, o governo arrecadou mais 8.5 mil M€ do que aquilo que tinha previsto inicialmente, no OE23. Governo que, mesmo face à projeção mais recente, no OE24, conseguiu em 2023, cobrar mais 1.7 mil M€ de impostos do que o que tinha previsto em outubro. Somando as contribuições para a Segurança Social chegamos a mais 2 mil M€ de receita executada do que o previsto no OE24 para 2023.

Já na despesa de investimento é o inverso. O governo, no OE23, previa executar 9.9 mil M€ de investimento, sendo que no OE24 baixou essa previsão para 8.1 mil M€, quando a realidade mostra uma execução de 7.4 mil M€.

Ou seja, face ao previsto no OE 23, o governo executou de investimento público menos 2.5 mil M€, sendo que face ao previsto no OE24, essa diferença foi de 700 M€ a menos, em 2023.

Mas esta execução já é um “clássico”, um “padrão” na execução orçamental deste governo desde 2016. Foi uma fórmula engendrada pelo Doutor Centeno, e bem copiada pelo Professor João Leão e pelo Dr. Fernando Medina.

Como se vê na tabela abaixo, a receita fiscal e a das contribuições para a Segurança Social ficaram sempre acima do previsto em cada OE, e a despesa de investimento sempre significativamente abaixo.

O outro engodo foi a propalada redução da dívida pública. No final do ano, o governo fez um “forcing” para a dívida pública ficar abaixo dos 100% e com isso o PS quer fazer uma propaganda descarada.

O ECO já abordou o tema. Basicamente o que o governo fez foi reduzir substancialmente o nível de depósitos para com isso amortizar dívida pública. Em termos líquidos (dívida menos depósitos), não teve efeito nenhum. Basicamente o Ministério das Finanças “ordenou” que todas as entidades públicas pegassem nos depósitos que têm e colocassem grande parte desse valor em CEDICs (títulos da dívida para entidades públicas com “excesso de liquidez”). Depois pegou nessa “liquidez extra” e comprou dívida pública.

Basta ver que os CEDICs em novembro de 2023 valiam 10.8 mil M€ e em dezembro atingiram 29.3 mil M€. Como a dívida entre Administrações Públicas não conta para a dívida pública na ótica de Maastricht (porque consolida), foi um “truque fácil”.

A tabela abaixo mostra os diferentes componentes da dívida direta do Estado em novembro e dezembro de 2023. A dívida direta do Estado subiu 16 mil M€, por via do aumento de 18.4 mil M€ nos CEDICs, reduzindo a divida em OT´s apenas em 1.7 mil M€. Isto permitiu o tal “sucesso” na redução da dívida pública.

Mas quando comparamos a dívida direta do Estado de dezembro de 2023 com a de dezembro de 2022, o que vemos? A tabela abaixo mostra como temos hoje mais 9.3 mil M€ de dívida direta do Estado do que em dezembro de 2022. Esse aumento resultou em grande medida da subida dos Certificados de Aforro e dos CEDICs, embora com uma ligeira descida nas OT´s e BT´s.

Ora, importa que o governo esclareça o porquê desta operação? Foi para fazer um brilharete de ter a dívida abaixo dos 100% do PIB já em 2023? Por razões de eleições? E já agora, como é que esta operação se enquadra na estratégia e na gestão do IGCP? E a que preço foram feitas as recompras em mercado?

Em síntese, uma execução orçamental com um superavit que resulta de muitos impostos, baixo investimento público e serviços públicos em colapso. Uma divida pública que baixa sobretudo por “artimanhas contabilísticas”, mas que em termos nominais não para de subir.

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