O feitiço do tempo de antena

O fascínio por previsões reflete um desejo humano profundo pela certeza, mas a capacidade de reconhecer a incerteza do futuro e valorizar a honestidade intelectual pode ser muito mais importante.

Na semana passada, Punxsutawney Phil, a marmota imortalizada no filme “Groundhog Day” com Bill Murray e Andie MacDowell, saiu da sua toca e não viu a sua sombra, um sinal que a primavera na Pennsylvania chegará cedo este ano. É uma das previsões mais famosas do mundo. Apesar da marmota em si ir mudando, já é a 137ª vez que se realiza esta previsão sob condições similares. Infelizmente, o Phil parece acertar menos de 40% das vezes. Este número é inferior a uma previsão baseada numa moeda ao ar, que seria 50%, e muito inferior às estimativas dos meteorologistas, que rondam os 60%. No entanto, é uma previsão famosa, que ainda hoje ocupa espaço mediático.

Por que gostamos tanto de previsões? Uma tática “viral” nas redes sociais é fazer várias previsões para um evento qualquer, de preferência não demasiado óbvio, por exemplo, o número exato de deputados eleitos por cada partido nas próximas eleições legislativas, e depois apagar todas as previsões erradas. Normalmente, a resposta à previsão acertada é avassaladora. A ideia que alguém acertou em cheio é simplesmente irresistível, e aumenta a visibilidade da pessoa por trás da previsão.

Assistimos a um fenómeno parecido nos meios de comunicação social: um crescimento exponencial do número de previsões. Isto é bastante comum em Economia e Finanças com pessoas a escolher ações na bolsa, ou a prever o desempenho económico do país consoante algumas reformas. Mas também acontece com o resultado das eleições ou que solução de governo teremos em Portugal. É uma tarefa ingrata. Algumas destas questões são impossíveis de responder, o que não impede um grau de certeza completamente desproporcional à informação (sem falar dos métodos) em que as previsões são baseadas. Não surpreendentemente, a performance destas previsões é bastante má.

Por que razão estas pessoas estão disponíveis para errar em público tão frequentemente? A hipótese mais plausível é que há procura por estas previsões. E há uma procura muito maior por previsões feitas com a maior certeza possível. No espaço público, a confiança passa por competência e a nuance é confundida com irrelevância. Como temos assistido nos debates, os estudos científicos e os projetos piloto, úteis para fazer previsões mais informadas (quando bem conduzidos), são vistos com desconfiança. Como ninguém se lembra das previsões anteriores, quase não há penalização por errar no passado. É como se as previsões más fossem simplesmente apagadas da linha do tempo de antena (a “timeline”).

Em Economia, para a maior parte das questões sobre previsões para o futuro, a única resposta credível a um pedido de previsão sobre uma ação da bolsa, a inflação, ou o Produto Interno Bruto é “se soubesse, não dizia”. No mínimo, é preciso reconhecer a incerteza e ter a humildade de responder frequentemente “não sei” (felizmente, há alguns comentadores que fazem isto). Como dá para fazer dinheiro com a maior parte das previsões económicas relevantes, é de desconfiar de previsões públicas. Na política, penso que não há neste momento mercados de previsão para apostas em eventos políticos em Portugal (lembro-me que existiam há uns 20 anos), mas ainda há formas de escolher ações no mercado bolsista com base nessa informação.

O fascínio por previsões reflete um desejo humano profundo pela certeza e controlo num mundo incerto. No entanto, a capacidade de reconhecer a incerteza do futuro e valorizar a honestidade intelectual, pode ser muito mais importante do que a busca por previsões precisas.

  • Professor de Economia Internacional na ESCP Business School

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