O fim do défice e o princípio da vida para além da dívida?

Agora que Portugal tem condições para manter um excedente ou um saldo equilibrado, será que consegue fazer uma reforma do Estado digna desse nome ou uma reforma fiscal que inclua as empresas?

Fernando Medina apresentou esta semana aquele que alguns consideram ser o melhor orçamento dos governos de António Costa. De facto, não é perfeito, mas atinge os principais objectivos e consegue uma quadratura do círculo: Não é expansionista nem restritivo, mas, ao mesmo tempo, tem medidas para todos (ainda que uns beneficiem mais do que outros) enquanto promete acabar de vez com o défice e continuar a reduzir rapidamente a dívida.

Faltam mais medidas para as empresas e a garantia de que as metas do investimento público são cumpridas. Mas conseguir tudo talvez seja pedir demais para um documento que tem como prioridade definir a política financeira do Estado e por isso não consegue incluir todas as reformas que estão por fazer. Ou, como dizia Jorge Sampaio, há vida além do orçamento!

Pela positiva

i) Pela primeira vez em democracia temos um orçamento aponta para um excedente (um dos poucos esperados na área do euro), sinalizando que não basta ter défices baixos, e que a reducção da dívida é para manter. E ainda vai mais longe, ao criar um fundo para guardar este e os futuros excedentes para investimentos futuros – algo que a Irlanda, que terá no próximo ano um excedente bastante maior também está a planear fazer.

Saldo Orçamental (Gráfico 1 – % do PIB)

Fonte: Ameco, Relatório do Orçamento do Estado e cálculos próprios

ii) A dívida continua a cair, e deverá ficar abaixo da “barreira psicológica” dos 100% do PIB, colocando Portugal cada vez mais próximo dos bons alunos da área do euro. Mesmo tendo em conta que esta reducao benificia e muito da inflacao, importa ver que cai mais do que em todos os outros países que também benificiam deste “bónus”, ficando já bastante próxima da média europeia e abaixo já não só da Espanha e Itália mas mesmo da Franca.

Dívida pública (Gráfico 2 – % do PIB)

Fonte: Ameco, Relatório do Orçamento do Estado e cálculos próprios

iii) É (marginalmente) restritivo [1] – e ainda bem. Os juros ainda limitam e irão limitar ainda mais, a dívida não é propriamente baixa, e se bem que o défice acabou, existem bastantes pressões de longo prazo (a começar pela segurança social) e pode sempre voltar, caso o enquadramento mude.

Política Orçamental (Gráfico 3 – 2015-2024)

Fonte: Ameco, Relatório do Orçamento do Estado e cálculos próprios

Mas ainda assim há espaço para medidas, e tendo em conta que com menor dívida há mais espaço de manobra, este Orçamento permite até mais escolhas, para além do saldo orçamental propriamente dito.

Há que registar em primeiro lugar, que mesmo distribuindo um pouco por todos, ao contrário dos primeiros orçamentos dos governos de António Costa, este “dá” um pouco mais aos trabalhadores em geral do que à função pública (se bem que os funcionários públicos beneficiem também da descida do IRS).

São estas as principais escolhas do governo: (ordenadas de acordo com o valor inscrito no OE:

  1. Redução do IRS – 1600 M€
  2. Aumentos salariais e carreiras da Função Publica (mesmo que abaixo da inflação na maioria dos escalões) – 1500M€
  3. Outras prestações sociais, incluindo aumento do abono de família e apoios a jovens e de habitação800M€
  4. No fim as empresas, com algumas alterações no IRC – 300M€
  5. E por último, não sendo uma escolha, porque desta vez o Governo cumpriu a lei e aumentou as pensões de acordo com a inflação, a medida com maior peso: aumentos de pensões: 2000 M€

Faltam “apenas” neste Orçamento não só mais medidas de apoio às empresas, e uma redução do IRC, mas também garantias de que as metas do investimento público irão ser mesmo cumpridas e que se resolvem os problemas cada vez mais evidentes em todos os serviços públicos. É certo que Portugal tem o PRR, mas como se tem visto, a capacidade dos serviços do Estado está perto, ou mesmo para lá do limite.

Mas será que Fernando Medina podia ter ido mais longe na redução também da da carga fiscal indireta? Certamente que podia, ou podia até ter incluído uma ainda maior redução do IRS. Por exemplo, podia ter optado por não actualizar já alguns impostos indiretos como o ISP, tendo em conta o que pode acontecer ao preço do petróleo, ou manter o IVA zero – uma ideia errada praticamente tomada por questões políticas e não económicas que agora é bem revertida – mas aí não estaríamos a falar de uma redução tão assinalável da dívida e não teria margem para acomodar riscos futuros – e falemos de margem porque quer Medina quer Centeno não gostam (e bem) da expressão “folga”.

Neste menu fica de facto apenas a faltar um corte do IRC. As empresas melhoraram nos últimos anos a sua posição o financeira graças a uma melhoria do enquadramento económico, mas começa a ser cada vez mais altura de apostar no longo prazo e nos factores de captação de investimento. Pode-se discutir muito sobre o nível ótimo de taxa do imposto sobre os lucros, mas é relativamente consensual que ter a taxa mais alta da União Europeia não ajuda.

Finalmente, este OE também é relativamente conservador nas estimativas de crescimento e de receita e tem margem (palavra chave) para acomodar uma maior desaceleração ou até uma ligeira recessão. Um crescimento de 1.5% pode ser desapontante, mas é realista dado o enquadramento externo e também o efeito da inflação e da subida de juros na procura interna. E para além disso, há margem para medidas de apoio caso o PIB desaponte: Como diz Fernando Medina, se o PIB não crescer o saldo passa para 0% – ou mais rigorosamente para -0.5% se aplicarmos o multiplicador normal dos estabilizadores automáticos.

No entanto, lamentavelmente, para resolver os restantes problemas da economia portuguesa e do Estado não basta o Orçamento. É preciso uma melhor gestão da Administração Pública e reformas (outra palavra chave, mas proibida para o primeiro ministro). O Orçamento é documento político eminentemente financeiro. Mas como disse o Presidente Jorge Sampaio – dirigindo-se na altura a Durão Barroso e a Manuela Ferreira Leite – há vida para além do Orçamento!

Agora que Portugal tem condições para manter um excedente ou pelo menos um saldo equilibrado, há tempo para olhar melhor para essa vida.

Este Governo tem uma maioria e tem ainda três anos de mandato. Será que consegue fazer uma reforma do Estado digna desse nome, ou uma reforma fiscal, que inclua também as empresas e o IRC ou pelo menos uma alteração mais profunda dos escalões de IRS? Tudo irá depender da marca que Antonio Costa e Fernando Medina quiserem deixar para o futuro: Já eliminaram o défice, conseguirão também mudar a economia?

[1] Para avaliar se uma politica orçamental é restritiva ou expansionista, deve-se ter em conta a variação do saldo primário estrutural – ou seja a variação do saldo orçamental excluindo os juros e tudo o que não é permanente nem relacionado com ciclo económico – face ao hiato do produto – o valor que indica economia está a utilizar todos os seus recursos, estando o PIB acima ou abaixo do seu potencial.

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