
O futuro e a liberdade financeira dos nossos filhos está em jogo
Se nos EUA as recentes “Trump Accounts” promovem o investimento de longo prazo desde o berço, por cá continuamos a alimentar as poupanças das crianças com depósitos que pouco ou nada oferecem.
Há uma enorme diferença entre ensinar uma criança a pescar e dar-lhe um peixe todos os dias. As “Trump Accounts” que acabam de nascer nos EUA são uma masterclass sobre como criar riqueza desde o berço, enquanto por cá continuamos presos à lógica do “seguro morreu de velho” com os nossos queridos Certificados de Aforro e contas de poupança para crianças.
A diferença não está apenas nos números, mas na filosofia. Os americanos acabaram de descobrir que podem transformar cada bebé num futuro investidor. Nós continuamos a preferir a ilusão da segurança de juros miseráveis e em transformá-los em credores do Estado desde a nascença. E depois admiramo-nos por sermos um dos países mais pobres da Europa.
As “Trump Accounts”, originalmente batizadas como “MAGA Accounts” (Money Accounts for Growth and Advancement), são contas de investimento automáticas para todos os bebés nascidos nos EUA entre 2025 e 2028. Cada criança recebe 1.000 dólares do Tesouro americano, investidos obrigatoriamente num fundo indexado ao mercado de ações dos EUA.
Os pais podem adicionar até 5.000 dólares anuais, que crescem isentos de impostos até aos 18 anos. Nessa altura, os jovens podem aceder a 50% do valor desse investimento para pagar despesas associadas à sua educação, habitação ou negócios, pagando então impostos sobre mais-valias geradas. Aos 25 anos têm acesso total aos fundos para os mesmos fins, e aos 30 anos podem usar o dinheiro livremente.
Qualquer investimento no mercado de ações americano por 30 anos nos últimos 100 anos rendeu, no mínimo, 7,8% ao ano. Mesmo investindo antes da Grande Depressão de 1929, o investidor teria multiplicado o dinheiro por oito em três décadas.
Considerando apenas os 1.000 dólares iniciais dados como benesse pelo Tio Sam, crescendo a 7% anuais (rendibilidade média das ações norte-americanas historicamente) durante 18 anos, resultariam em cerca de 3.380 dólares. Mas se os pais contribuírem com o máximo anual, o montante poderia atingir os 170 mil dólares. É a diferença entre ter um “pé-de-meia” e ter uma verdadeira base financeira para a vida adulta.
O ponto mais interessante das “Trump Accounts” não está no cheque de 1.000 dólares de oferta do Tesouro americano, mas na mentalidade que estas contas promovem. Ao investir exclusivamente em ações, estas contas ensinam aos americanos, desde pequenos, que o mercado de capitais não é um casino, mas a ferramenta mais eficaz de construção de riqueza a longo prazo.
Em vez de educarem a futura geração para a poupança defensiva e conservadora, educam as crianças para o investimento de longo prazo. Os números justificam esta abordagem de forma esmagadora, como mostra de forma clara os dados do UBS no relatório “Global Investment Returns Yearbook 2025”.
Os Certificados de Aforro e os depósitos bancários, apesar de serem ativos válidos para construir um fundo de emergência ou construir uma poupança de curto prazo, são uma má opção para orientar uma estratégia de longo prazo, como sucede com a aplicação das poupanças dos mais novos.
Segundo os dados recolhidos pelos académicos Elroy Dimson, Paul Marsh e Mike Staunton em 90 mercados mundiais, incluindo Portugal, as ações apresentaram uma rendibilidade anualizada real (acima da inflação) de 5,2% nos últimos 125 anos, face a apenas 1,7% das obrigações e dos míseros 0,5% dos títulos de liquidez curto prazo (como depósitos e Bilhetes do Tesouro). Mesmo nas últimas duas décadas, as ações mantiveram os 5,2% anuais reais, enquanto as obrigações ficaram pelos 1,1% e os títulos de curto prazo perderam 1% ao ano.
Estes dados são categóricos. “A longo prazo, o desempenho superior das ações tem sido notável. As ações superaram as obrigações, os títulos e a inflação em todos os países”, destacam os autores no relatório. Mas não é só isto que é notável. Qualquer investimento no mercado de ações americano por 30 anos nos últimos 100 anos rendeu, no mínimo, 7,8% ao ano. Mesmo investindo antes da Grande Depressão de 1929, o investidor teria multiplicado o dinheiro por oito em três décadas.
A diferença entre construir riqueza e contar tostões
Enquanto os americanos preparam os filhos para serem investidores, o PS propôs dar 500 euros em Certificados de Aforro a cada bebé nascido a partir de 2025, no seu programa eleitoral. Com a taxa atual dos Certificados de Aforro, esses 500 euros cresceriam para uns magros 679 euros ao fim de 15 anos – podendo atingir uma rendibilidade máxima anual líquida de 1,81% caso a Euribor a 3 meses se mantivesse sempre acima dos 2,5%. É como comparar um Ferrari com uma bicicleta: ambos nos levam ao destino, mas a diferença de velocidade é humilhante.
Se as “Trump Accounts” apostam no ativo mais rentável da história, os Certificados de Aforro e dos depósitos bancários, apesar de serem ativos válidos para construir um fundo de emergência ou construir uma poupança de curto prazo, são uma má opção para orientar uma estratégia de longo prazo, como sucede com a aplicação das poupanças dos mais novos.
Quando pergunto aos meus amigos onde investem as poupanças dos filhos, a resposta é quase sempre a mesma: “numa conta poupança para crianças” ou “em Certificados de Aforro, que é mais seguro”. É nestes momentos que percebo a dimensão do problema. Não é uma questão de dinheiro, mas uma questão de mentalidade.
As poupanças dos meus dois filhos nunca viram uma conta poupança ou um Certificado de Aforro, e por isso é que a minha filha mais nova, com 7 anos, tem hoje mais dinheiro dela do que eu tinha quando cheguei aos 18 anos — e garanto-vos que não foi por ela ter recebido mais “presentes” do que eu há umas décadas. Desde pequenos que o dinheiro deles está investido em ações de empresas globais através de fundos de investimento. Não por teimosia ideológica, mas porque os dados históricos são inequívocos. No longo prazo, as ações vencem sempre. E se há algo que as crianças têm em abundância é precisamente isso – tempo.
A diferença fundamental entre Portugal e os EUA não está nos recursos ou na sofisticação dos mercados, mas na mentalidade perante a abordagem do risco e do investimento de longo prazo.
O Governo de Luís Montenegro prometeu algo semelhante às “Trump Accounts” há mais de um ano, por via da criação de contas-poupança isentas de impostos, inspiradas nas ISA Accounts britânicas. Estas contas preveem “grande diversidade de instrumentos” financeiros, incluindo ações e fundos de investimento, com contribuições isentas de IRS.
A ideia tem um cariz positivo e até tem a abertura de poderem ser alimentadas por contribuições dos trabalhadores e das suas entidades empregadoras, mas, mais uma vez, carecem em ver a luz do dia. Passado mais de um ano desde a promessa eleitoral, estas contas continuam perdidas na burocracia e volta a constar entre as promessas governamentais no novo programa do Governo.
A diferença fundamental entre Portugal e os EUA não está nos recursos ou na sofisticação dos mercados, mas na mentalidade perante a abordagem do risco e do investimento de longo prazo. Os americanos compreendem que o maior risco não é investir em ações durante 20 anos, mas sim não investir de todo.
Portugal, apesar de ter registado uma subida significativa da taxa de poupança em 2024, continua a apresentar uma das mais baixas taxas de poupança da Zona Euro, e quando os portugueses poupam, fazem-no de forma excessivamente conservadora. Preferimos a ilusão de segurança dos depósitos à construção real de riqueza através do investimento em ações para o longo prazo.
Esta aversão ao risco é particularmente absurda em investimentos em que o horizonte temporal é superior a 5, 10 ou mais anos. É como recusar apanhar o comboio por medo de acidentes e preferir ir a pé de Lisboa ao Porto. Tecnicamente, ambos nos levam ao destino, mas um é incomparavelmente mais eficiente e, paradoxalmente, mais seguro.
Enquanto tratarmos os Certificados de Aforro e os depósitos bancários (que agregam mais de 50% do património financeiro das famílias) como soluções universais – desde a poupança infantil até à reforma – estaremos a condenar gerações à mediocridade financeira.
As “Trump Accounts” são mais do que uma medida de estímulo à natalidade, são uma ferramenta de reeducação financeira nacional. Ensinam aos americanos que o investimento em ações não é especulação, mas o método mais eficaz de construir riqueza ao longo de décadas.
Portugal tem todas as condições para implementar algo semelhante. Temos mercados funcionais, acesso internacional e uma indústria de fundos competente. O que nos falta é mudar o “chip” para ultrapassar o conservadorismo financeiro que nos mantém na cauda da Europa há muitos anos.
Enquanto tratarmos os Certificados de Aforro e os depósitos bancários (que agregam mais de 50% do património financeiro das famílias) como soluções universais – desde a poupança infantil até à reforma – estaremos a condenar gerações à mediocridade financeira. As “Trump Accounts” mostram um caminho diferente: ensinar que o risco calculado, diversificado e de longo prazo não é perigo, mas oportunidade.
Se continuarmos a fazer de conta que tudo está bem, corremos o risco de quando os bebés americanos começarem a receber os primeiros dividendos, os nossos filhos ainda estarão a contar cêntimos da parca poupança que nós, enquanto educadores, lhes criámos. É hora de crescermos financeiramente. Os nossos filhos merecem mais do que a nossa mediocridade disfarçada de prudência.
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