O futuro sombrio da advocacia portuguesa

  • Agostinho Pereira de Miranda
  • 10 Fevereiro 2025

Mas se o futuro desta advocacia de sobrevivência parece sombrio, o horizonte previsível para a advocacia de negócios não se afigura mais promissor.

Ainda não percebi as razões por que os advogados portugueses não estão em pânico com aquilo que lhes aconteceu nos últimos dois anos. Desde o dia 22 de dezembro de 2022, data em que a Assembleia da República iniciou esta fatídica maratona legislativa, quatro sucessivos diplomas mudaram radicalmente o quadro regulatório da profissão: Lei 12/2023, de 28 de março, que regula as associações públicas profissionais; Lei 64/2023, de 20 de novembro, sobre as chamadas sociedades multidisciplinares; Lei 6/2024, de 19 de janeiro, que altera o Estatuto da Ordem dos Advogados; Lei 10/2024, também de 19 de janeiro, que estabelece o regime jurídico dos atos próprios dos advogados.

Em consequência destas leis, tanto a advocacia ‘proletária’ como a advocacia dita empresarial perderam potencialmente boa parte do território em que operavam. Ainda não é muito óbvio para a maioria dos advogados, mas sê-lo-á a curto prazo.

Os advogados em prática individual são os que mais irão sofrer. Estando agora os atos próprios do advogado praticamente limitados ao patrocínio forense, em breve iremos ver as seguradoras, as cadeias de supermercados, os contabilistas e os auditores desviarem dos pequenos escritórios os clientes individuais que são o principal ganha-pão da esmagadora maioria desses profissionais. Para o fazerem nem precisam de ter advogados nos seus quadros. Bastam uns quantos licenciados em Direito que não quiseram dar-se ao trabalho de fazer o estágio da Ordem dos Advogados.

Para milhares de advogados (mais de 15.000, segundo as contas da Ordem) haverá ainda a possibilidade de se inscreverem no Sistema de Acesso ao Direito e aos Tribunais (SADT) e assim serem contemplados com o patrocínio de clientes pobres que o Estado simula ajudar. A paga é miserável, frequentemente lenta e até incerta. O Estado gasta anualmente com o SADT cerca de 70 milhões de euros, isto é, 0,5% por cento do que custa, por exemplo, o Serviço Nacional de Saúde. Estamos conversados.

Mas se o futuro desta advocacia de sobrevivência parece sombrio, o horizonte previsível para a advocacia de negócios não se afigura mais promissor. Mesmo os cinco maiores escritórios de advogados portugueses estão sofrivelmente preparados para a concorrência das auditoras, das consultoras internacionais, ou das sociedades de advogados globais, a começar pelas espanholas, que já hoje fazem muito estrago. Porquê? Porque essas mega-estruturas têm ativos tecnológicos, financeiros e organizacionais que não estão ao alcance dos escritórios portugueses. Já para não falar das respetivas redes internacionais de referenciação pessoal e digital nas quais assenta a sua atividade mais lucrativa.

E que dizer das sociedades de advogados mais pequenas, com digamos 20 a 50 advogados? Só vejo duas alternativas viáveis: organizarem-se em ‘boutique’ muito especializada, idealmente com uma forte componente de contencioso judicial e arbitral; ou acabarem com os sistemas de remuneração mensal garantida. Manterem o modelo atual não é opção. Vão descobri-lo em breve.

As leis que agora regulam a atividade dos advogados em Portugal foram concebidas na OCDE de Álvaro Santos Pereira (lembram-se do ministro da Indústria de Passos Coelho?) e na Comissão Europeia, agora de António Costa (não, não é mera coincidência). Nenhum outro país da UE aceitou esta regulamentação da profissão. O próprio presidente do Conselho das Ordens de Advogados da Europa (CCBE), que representa mais de um milhão de advogados, considerou, em carta dirigida ao Presidente da República e ao Primeiro-Ministro portugueses a 19 de julho de 2023, que estas então planeadas alterações legislativas seriam “um caso sem precedente na União Europeia” que podia pôr em causa “a liberdade, a segurança, a justiça e mais genericamente a proteção do Estado de Direito”.

Ante este panorama medonho, o que fizeram os advogados portugueses? Muito pouco. E a Ordem dos Advogados? Nada!

  • Agostinho Pereira de Miranda
  • Advogado e presidente da Associação ProPública – Direito e Cidadania

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