O impacto das empresas no planeta e o princípio “não prejudicar significativamente”

  • Helena Estrela
  • 16 Novembro 2023

O desafio consubstancia-se na divulgação e criação de mecanismos de capacitação sobre os vários normativos.

A taxonomia sustentável e a linguagem das diretivas que se seguiram desde 2020 por vezes parecem inóspitas ou incompreensíveis aos que não são juristas. Esta coluna pretende lançar luzes de forma descomplicada a um destes conceitos, do princípio referido no regulamento europeu como «não prejudicar significativamente», traduzido do inglês «Do No Significant Harm», (DNSH).

O princípio acima foi mencionado pela primeira vez no Regulamento (UE) 2020/852 do Parlamento Europeu e do Conselho, documento cuja importância assenta na definição de critérios para determinar se uma atividade económica é qualificada como sustentável do ponto de vista ambiental, com vista a estabelecer em que grau um investimento é sustentável.

De acordo com o referido regulamento de 2020, conhecido usualmente como “taxonomia”, uma determinada atividade económica é qualificada como sustentável do ponto de vista ambiental caso, expressamente:

(i) Contribua substancialmente para um ou mais, dos seguintes objetivos ambientais, mitigação das alterações climáticas; adaptação às alterações climáticas; utilização sustentável e proteção dos recursos hídricos e marinhos; transição para uma economia circular; prevenção e o controlo da poluição e proteção e o restauro da biodiversidade e dos ecossistemas, enumerados no artigo 9º e explanados nos artigos 10º a 16º.

(ii) Não prejudique significativamente nenhum dos objetivos ambientais, nos termos do artigo 17º.

(iii) For exercida em conformidade com salvaguardas mínimas, de acordo com o artigo 18º, no que respeita a Princípios Orientadores das Nações Unidas sobre Empresas e Direitos Humanos, entre outros.

A taxonomia é, portanto, um documento base, para a identificação de investimentos sustentáveis, cujo financiamento por parte da comunidade europeia estão dependentes desta característica. Trata-se, portanto, de uniformização, ao nível da união europeia, do entendimento respeitante aos investimentos sustentáveis.

Posteriormente, claro, continua o dever dos vários países europeus de criar mecanismos que visem a capacitação das pessoas que lidam com estes normativos, sendo fundamental a divulgação quanto à existência dos mesmos. Neste aspeto, Portugal ainda tem um caminho longo a percorrer.

O Regulamento em Portugal que criou o Mecanismo de Recuperação e Resiliência (MRR) estabelece que as medidas apoiadas – nomeadamente as incluídas no Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) – devem respeitar o princípio de «não prejudicar significativamente» os objetivos ambientais. As empresas públicas e privadas, que recorrem ao PRR, têm, portanto, a obrigatoriedade de declarar cumprimento deste princípio. Assim e doravante, percebemos que este princípio será amplamente aplicado na União Europeia e certamente ocupará lugar de destaque no cenário das estratégias ESG.

Deixo-vos aqui um exemplo a refletir: no caso da componente do PRR de descarbonização da indústria, cujo desafio incide no contributo da indústria para o cumprimento dos objetivos da neutralidade carbónica, identificados no Roteiro para Neutralidade Carbónica 2050 e no Plano Nacional Energia e Clima 2030, os investimentos propostos visam uma reconfiguração da atividade industrial, ao nível dos processos e dos recursos utilizados, tendo por objetivo uma redução mínima das emissões de gases com efeito de estufa de 30%.

As orientações técnicas de aplicação do princípio de «não prejudicar significativamente» indicam que os critérios de elegibilidade dos projetos candidatos a esta medida devem excluir: i) as atividades relacionadas com combustíveis fósseis, incluindo utilizações a jusante; ii) atividades abrangidas pelo Sistema de Comércio de Licenças de Emissão da EU (CELE) que alcancem emissões de gases com efeito de estufa previstas não inferiores aos parâmetros de referência aplicáveis; iii) atividades relacionadas com aterros de resíduos, incineradores e estações de tratamento mecânico e biológico e iv) atividades em que a eliminação de resíduos a longo prazo pode causar danos no ambiente.

Para além da lista de exclusão, é exigido ainda que as atividades cumpram a legislação ambiental aplicável a nível comunitário e nacional, o que parece necessariamente exigir que as empresas compreendam melhor o âmbito de impacto de suas atividades no meio ambiente, para assim conseguirem evitar o que enuncia o princípio de “não prejudicar significativamente”.

Constata-se, assim, que este é um princípio importante na avaliação do impacto das empresas na sociedade e no planeta, e o seu contexto jurídico reflete uma preocupação por parte da comunidade europeia no alinhamento de um conjunto variado de legislação, cujo objetivo último é o financiamento de investimentos, destinados a impulsionar crescimento económico sustentado, tendo em consideração o conceito de sustentabilidade inspirado nos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas.

Por parte dos países europeus o desafio consubstancia-se na divulgação e criação de mecanismos de capacitação sobre os vários normativos, incluindo o que se define por impacto significativo e prejudicial ao meio ambiente.

Nota: esta é a coluna da iniciativa cívica Women in ESG Portugal para o ECO, e por meio deste canal pretendemos trazer conteúdos ligados ao ESG de forma descomplicada para a sociedade, na voz de mulheres que detêm expertise técnica na área. Para mais informações, aceda ao site: www.winesgpt.com

  • Helena Estrela
  • EFFAS Certified ESG Analyst® (CESGA) e Doutoranda em Gestão

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