Leilão fiscal

Estaremos condenados a reagir aos problemas, como agora na habitação, na saúde ou na educação, em vez de os enfrentarmos armados com a devida preparação?  

Portugal tem impostos elevados, sobretudo sobre o trabalho. De entre os 38 países da OCDE, era em 2022 o nono com a carga fiscal mais alta sobre os salários. Um trabalhador solteiro e sem filhos, a ganhar um vencimento médio, leva para casa 58,1% depois de deduzidos os impostos e as contribuições para a Segurança Social. A percentagem diz tudo sobre a necessidade de reduzir a carga fiscal, em particular o IRS.

O imperativo da diminuição dos impostos ganhou força com a inflação. Pela necessidade –as famílias têm o cinto muito apertado pela subida dos preços e das taxas de juro – e pela oportunidade, devido ao impulso na receita fiscal.

Segundo o Banco de Portugal, o Estado deverá encaixar este ano mais 4 mil milhões de euros em impostos e contribuições devido apenas ao impacto do aumento da inflação.

É a maior receita nessas rúbricas, para a qual também concorre o baixo desemprego, que levou o Conselho de Finanças Públicas a apontar esta semana para um excedente orçamental de 0,9% do PIB este ano. O Governo prevê um défice da mesma ordem. Vai, muito provavelmente, ser menor.

O Governo traçou um plano de descida paulatina do IRS até ao final da legislatura, que somará 2.011 milhões de euros entre 2023 e 2027. A oposição quer mais ambição. O PSD tem vincado a bandeira da redução do IRS, com medidas concretas, quantificadas e sustentadas, pelo menos no curto prazo. Os sociais-democratas defendem uma redução adicional de 1200 milhões já este ano, financiada com o excesso de receita proporcionado pela inflação. O corte seria estendido a 2024, com base no mesmo excesso. Só não explica o que acontece daí em diante.

Com o Orçamento do Estado à porta e um ciclo eleitoral à vista, vamos assistir a uma espécie de leilão fiscal, com cada partido a ver “quem dá mais”. Ou, melhor dizendo, quem promete tirar menos aos contribuintes.

Convém ter alguma prudência. O Conselho de Finanças Públicas prevê que o PIB trave para 1,6% no próximo ano. O impulso da inflação na receita pública será, felizmente, também menor. Há uma fatura com juros a engordar mil milhões de euros em 2024, para 2,3% do PIB. A incerteza é enorme e um abalo maior na economia levará a que o peso do endividamento suba em vez de descer, dado que o valor absoluto da dívida sobe de recorde em recorde.

Depois, é preciso que a política fiscal seja muito mais do que um mero instrumento eleitoral. Tem de estar enquadrada num plano coerente e o horizonte não pode ser 2024 ou 2026.

A menor carga fiscal ajudará a economia a ser mais competitiva, libertará recursos para as famílias e empresas, promovendo o crescimento. O que por sua vez beneficiará a arrecadação de impostos. Mas é fundamental ter também em conta as necessidades orçamentais do futuro, como o envelhecimento demográfico, a perda de população ativa ou a necessidade de mitigar o impacto das alterações climáticas. Há que definir prioridades e atuar também sobre a voragem da despesa.

Será que os Governos em Portugal vão algum dia pensar além da legislatura? Estamos condenados a reagir aos problemas, como agora na habitação, na saúde ou na educação, em vez de os enfrentarmos armados com a devida preparação?

O desafio exige entendimentos. Só que o compromisso desapareceu da política nacional. O Governo e o PS rejeitam tudo o que é proposta da direita. É o “rolo compressor da maioria”, como lhe chama o PSD. O facto é que também não há medida do Governo que não seja liminarmente arrasada pela oposição.

O ciclo eleitoral que aí vem acentuará as divergências. Quem perde é o país, que continuará a ter de lutar contra a brutal ineficiência do ziguezague nas políticas provocado pela alternância no poder. Com quase 50 anos de democracia, era de esperar outra maturidade.

Nota: Este texto faz parte da newsletter Semanada, enviada para os subscritores à sexta-feira, assinada por André Veríssimo. Há muito mais para ler. Pode subscrever a Semanada neste link.

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