O mundo que se segue

  • Paula Rios
  • 11 Fevereiro 2021

Paula Rios, MDS Group CEO Senior Advisor e Editor in Chief da revista FULLCOVER, foca os pontos que a Covid-19 mais atingiu e como, e considera que temos de nos habituar aos riscos que mudaram.

Neste momento, e embora seja aquilo que a todos nós mais apetece, pensar num futuro pós-Covid é como olhar para um denso nevoeiro que teima em não se dissipar. Mas, se olharmos com mais atenção, poderemos vislumbrar algumas tendências a tomar forma dentro do nevoeiro. Assim, e porque me é pedida a minha opinião, considerarei dois cenários: um otimista e um pessimista. Começarei pelo otimista, que creio poder ser definido por algumas palavras-chave.

Cenário otimista

Verde – O mundo será mais verde, num sentido muito amplo que abrange a exigência da prática de atividades sustentáveis às empresas, a proteção da biodiversidade, a aposta nas energias renováveis, a agricultura biológica, a economia circular e hábitos saudáveis, bem como outro conceito de urbanismo com cidades viradas para as pessoas e não para as máquinas, com introdução de espaços verdes – nomeadamente as designadas “coberturas verdes” em edifícios… e tantas, tantas outras mudanças que não poderia aqui elencar.

Máscaras – Vão ficar connosco, disso não tenho dúvida. Espero que não como hoje, mas acho que farão parte de um comportamento cívico que se esperará dos cidadãos. Não mais será aceitável ter, como no passado, alguém constipado, ou com gripe, ou qualquer outra doença contagiosa, a espirrar para cima de nós no escritório, no autocarro ou no avião. Como já era prática dos asiáticos há anos ou décadas mesmo, a máscara vai ser essencial em grandes espaços como aeroportos ou outras aglomerações de multidões. Obrigatória em alguns casos, aconselhada noutros, a verdade é que quem apostou na sua produção poderá ter trabalho garantido por muito tempo.

Distância – Por um lado, o trabalho à distância veio para ficar. Não totalmente, mas parcialmente. Na última WebSummit (virtual) comentava-se que os escritórios, no futuro, serão cada vez mais um espaço de socialização do que de trabalho puro e duro. Porque essa socialização, esse contacto, faz muita falta, nomeadamente para apreensão da cultura da empresa, mas não só… obviamente que o trabalho à distância agrada mais a uns que a outros, e caberá aos Recursos Humanos das empresas saber gerir essas diferenças. Por outro lado, não sei se alguma vez recuperaremos hábitos arreigados como o de cumprimentar socialmente com dois beijos (ou mesmo só um). Provavelmente vamos voltar ao aperto de mão, ou a uma pequena vénia como já fazemos hoje, e reservar a maior proximidade para os mais íntimos. Este hábito agora adquirido vai perdurar por um longo tempo, penso. Em alguns casos, não será uma desvantagem, porque muitas vezes não há necessidade de as pessoas estarem tão “em cima” umas das outras. Esta pandemia também nos ensinou algum civismo, nas filas, na paciência dos tempos de espera, que creio irá manter-se por um longo período.

Tecnologia – Como o ar que respiramos, a tecnologia permitiu-nos continuar a trabalhar, a comunicar, a comprar… e vai continuar a desenvolver-se, em todas as áreas. Como vamos viajar menos, a realidade virtual e os hologramas vão permitir-nos ver os familiares e amigos que estão longe, e matar as saudades de alguma forma. Vamos estar cada vez mais conectados e isto não é uma previsão, é um dado adquirido.

Sedentarismo – Pois é, vamos viajar menos. Por um lado, porque muitos de nós, severamente afetados pela crise, teremos menos possibilidade de o fazer. Por outro, porque vai levar o seu tempo até nos sentirmos confortáveis para ir para longe do “nosso casulo”. Vamos privilegiar os passeios no nosso país, ou nos limítrofes, pelo menos durante os tempos mais próximos. Também vamos continuar a passar mais tempo em casa, e isso reflete-se nas necessidades que hoje temos em relação ao nosso espaço, diferentes das de antigamente. Repensar as nossas casas foi algo que, ao longo deste ano de pandemia, muitos de nós fizemos, ou estamos a fazer.

Incerteza – Já é, e continuará a ser, a nossa inseparável companheira. Se após o 11 de setembro o mundo nunca mais foi o mesmo em termos de segurança, a partir de 2020 o dia de amanhã é totalmente imprevisível – e vamos ter de nos habituar a isto, por muito desconfortável que seja.

Saúde mental – Os números assustadores do crescimento da doença mental em todo o mundo estão estreitamente ligados aos altos níveis de incerteza, com os quais o ser humano não lida bem. Começam por gerar grande ansiedade, que em muitos casos evolui para doenças mentais mais graves. O único lado positivo é que a doença mental deixa de ser o bicho papão, algo envergonhado e escondido, para ser uma realidade de que todos falam. Uma grande percentagem da população mundial, pela primeira vez na história e em consequência desta pandemia, apresenta algum tipo de doença mental. Assim, há que enfrentar o problema de forma clara e inequívoca e trabalhar em conjunto para o resolver, começando por promover a saúde mental dos cidadãos, na sua vida pessoal e nas empresas.

Seguros de saúde – Têm vindo a assumir uma importância crescente, que estou certa irá prosseguir à medida que as pessoas se centram mais na sua saúde e que as fragilidades do sistema de saúde pública são evidenciadas. A evolução que se tem verificado no sentido de uma maior abrangência de coberturas, nomeadamente em termos de doenças graves ou saúde mental, e também a atitude de alguns players do mercado ao assumirem despesas relacionadas com a pandemia, mostram claramente que o seguro de saúde é algo indispensável na nossa vida, um investimento na segurança, tranquilidade e confiança de ter um parceiro que está lá para nos apoiar nos momentos mais difíceis das nossas vidas. Em geral, os seguros crescem em momentos de crise, porque proporcionam esse sentimento de segurança cada vez mais necessário num mundo tão incerto.

Reinvenção – Está na ordem do dia. Todos nos encontramos perante alguma necessidade de reinvenção, mas mais ainda todos os que trabalhavam em setores que estão, ou vão, reduzir-se drasticamente ou mesmo desaparecer. A escola tem de mudar, a universidade também, a nossa preparação tem de ser mais elástica, mais prática e mais flexível, mais multitask. Temos de ser educados tendo como certo… que nada é certo! E que a todo o momento podemos ter de “virar as agulhas” e fazer algo diferente. É uma nova atitude mental, que nos obrigará a ser mais criativos, mais adaptáveis, mais ágeis.

Novo capitalismo – Precisamos de um capitalismo diferente, mais humanista e menos desumano, o designado stakeholder capitalism, que tenha em conta não só os interesses dos acionistas, mas de todos os interessados, que vise aumentar o bem estar das pessoas e do planeta e que se foque na criação de valor a longo prazo.

Se conseguirmos aproveitar esta gigante crise para sermos mais verdes, mais humanistas, mais tecnológicos, se ultrapassarmos os problemas de saúde mental trazidos pela pandemia, se nos conseguirmos reinventar e, em consequência, o mundo em que vivemos, então esta pandemia terá servido para alguma coisa, permitindo que os nossos filhos aspirem a um futuro mais sustentável e verdadeiro.

Cenário pessimista

No entanto, não podemos, em prol de alguma lucidez, deixar de considerar um cenário pessimista, infelizmente possível face ao pântano de vítimas e contaminados em que nos encontramos atolados. Para apreciar esse cenário, e para não me alongar demasiado, recomendaria a leitura dum livro absolutamente assustador porque profético, “O Surto”, escrito por Lawrence Wright, autor de vários livros e jornalista vencedor de um prémio Pullitzer que, antes do início da pandemia descreveu, quase tintim por tintim, aquilo que se abateu sobre as nossas cabeças a partir de março de 2020. Com uma diferença, é certo – o vírus que descreve no livro, de uma “nova” gripe, é muitíssimo mais letal que o SARS Cov 2. O livro descreve, de forma absolutamente aterradora – tanto mais porque assistimos a algo semelhante – como o vírus se dissemina em poucas semanas pelo mundo inteiro, dizimando cidades e países e derrubando, um a um, os frágeis alicerces da nossa civilização. Vale a pena ler, apesar de nos deixar um sabor muito amargo na boca – e pensar que, se o autor conseguiu imaginar aquele cenário, o que estariam os governantes, gestores de risco e pensadores a fazer, que não deram pela hecatombe senão quando já se abatia sobre nós em pleno?

À laia de conclusão

Tenho de confessar que, apesar de os tempos serem negros e desanimadores, mantenho algum otimismo. Tudo passa nesta vida, e esta pandemia também irá passar. Pelo menos esta fase aguda porque, como diz um médico que conheço e respeito, “a Covid-19 veio para ficar”. Vai ser mais uma doença das muitas que assolam a humanidade, que, do alto da sua arrogância teve de se dobrar, humilhada, perante um inimigo invisível que, dum momento para o outro, nos privou daquilo que mais nos torna humanos: a proximidade com o outro. E eu, como creio que todos nós, quero muito recuperar essa parte da minha humanidade – e da minha vida – que está suspensa.

No fim do dia, acredito que tudo se vai compor, pois como menciona uma frase antiga e sábia – e tão bonita – “A vida encontra sempre um caminho”.

  • Paula Rios
  • Senior Advisor to MDS Group CEO, FULLCOVER Editor in Chief

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