O nosso triste fado

Não, não vai ficar tudo bem. Estamos perante uma crise económica e social, onde nós, os portugueses, sofreremos mais do que os outros. É reflexo do que somos e das opções políticas que tomamos.

“Vai ficar tudo bem”. Foi esta a mensagem de otimismo que se espalhou por todo o mundo e que transmitimos aos nossos filhos. Tentámos convencê-los que o COVID seria um qualquer monstro, daqueles que aparece durante a noite e que, quando acordamos, simplesmente desaparece, tendo sido apenas um susto.

Agora falemos entre adultos. Não está tudo bem e não vai ficar tudo bem. Depois da crise sanitária, segue-se uma crise económica e social global. No entanto, nós, portugueses, como sempre, sofreremos mais do que os outros. A sensação de estarmos permanentemente em crise perpetuar-se-á alguns anos mais. É o nosso nome do meio, a nossa sina, o nosso fado. Mas não é puro infortúnio. Nesta semana de comemorações do Dia de Portugal, aproveitemos para refletir. A invocação dos nossos gloriosos antepassados não serve de atenuação, muito menos de consolo, para as fraquezas do presente. Aliás, deveria servir de forte abanão para dignificarmos a nossa história. Permitam-me, portanto, alguns desabafos.

Passaram-se 12 anos do início da última crise internacional, que atingiu o pico em Portugal mais tarde. Apesar da intervenção externa da troika e do maior equilíbrio nas contas públicas – sobretudo à custa da enorme carga fiscal –, desperdiçámos a oportunidade de realizar importantes reformas estruturais em diversas áreas. A realidade é crua e mostra-nos que, factualmente, estamos pior. A nossa economia cresce a um ritmo inferior aos nossos pares europeus. Dos atuais 19 países da zona Euro, éramos o sexto país mais pobre em 2008 [PIB per capita em PPS, Eurostat]. Entretanto, em 2018 chegámos ao pódio… da liga dos últimos. Malta, Eslováquia, Estónia e até o recém-membro do Euro, a Lituânia, ultrapassaram-nos. Apenas alcançámos a Grécia (ou melhor, os gregos deixaram-se ultrapassar e passaram para o fim da lista). Um lugar pouco honroso que não augura nada de bom perante mais uma crise.

Começando pelo Estado e políticas públicas, passando pelo tecido empresarial e toda a sociedade, todos temos uma quota-parte de responsabilidade. A obesidade crónica do nosso Estado continua a degradar-se. É um Estado sanguessuga que sufoca as empresas e os contribuintes, que nos tributa como país nórdico, mas presta-nos serviços low cost. Continuamos a surfar a onda da nossa galinha dos ovos de ouro, o turismo, que vai escondendo outras fragilidades: uma economia pouco diversificada com empresas descapitalizadas e endividadas. As famílias não conseguem poupar e as empresas ainda encaram o número (excessivo) de horas de trabalho como fator de produtividade – sendo indício exatamente do contrário. A promiscuidade entre o público e o privado e as famosas portas giratórias, sempre de braço dado com a corrupção, mancham a confiança, interna e externa, nos agentes económicos e políticos. Uma realidade aflitiva descrita num conjunto limitado de exemplos. O orgulho nacional, que é sempre de salutar, não nos deve ofuscar das nossas prioridades nem retirar-nos a capacidade de fazer este diagnóstico cruel, mas real.

Estamos há 50 anos a discutir a localização do novo aeroporto de Lisboa. 50 anos! Algo que nos caracteriza tão bem politicamente. Somos audazes no debate político, mas revelamos fortes limitações na tomada de decisão e execução. De legislatura em legislatura, o lema não muda: “passa a outro e não ao mesmo”. E assim empurramos as nossas responsabilidades para as futuras gerações. É esta a nossa sina e com ela vamos agora enfrentar outra crise, mais cedo do que antecipávamos, onde, tal como na anterior, estaremos algum tempo a queixarmo-nos do “azar” da crise internacional e de um malvado vírus. Diremos que a economia pré-COVID estava em positivo crescimento e que todos os impactos posteriores advêm de fatores globais. Mais tarde, quando formos dos poucos países europeus que ainda sente os efeitos da crise, constataremos, uma vez mais, que a nossa economia, a nossa legislação – tão burocrática e pouco eficaz – e o nosso Estado estão construídos sobre estacas de madeira corroídas pelas intempéries de tantas feridas recentes que não foram saradas. Se o dia de hoje afeta mais uns do que outros em Portugal, o amanhã será ainda mais doloroso e não será tão seletivo.

Nos próximos tempos faremos aquilo que melhor sabemos. Continuaremos na cauda da Europa em bicos dos pés a implorar pelos fundos Europeus. Por sinal, uma cultura de subsídiodependência que se propaga por toda a sociedade, empresas e famílias. Paralelamente, faremos queixinhas dos países ricos que colocam entraves para continuar a suportar as nossas ineficiências (claro, ninguém gosta de sentir que outros vivem às suas custas). Mas nós, de papo cheio, responderemos sempre à letra. E assim alimentamos o nosso orgulho mesquinho, enquanto nos afundamos ainda mais nos rankings e olhamos através de binóculos para os arrogantes holandeses e alemães cada vez mais distantes. Triste fado…

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