O pirelióforo do Padre Himalaya
A relação entre PI e sustentabilidade é complexa e difícil de resumir. [...] No entanto, não há dúvidas que o sistema de patentes pode (deve?) ter um papel importante no que toca à sustentabilidade.
No início do século XX, um padre, Manuel António Gomes, mais conhecido como Padre Himalaya, apoiado pela sua principal financiadora Condessa da Penha Longa, fez avanços significativos no aproveitamento da energia solar. Nascido em Arcos de Valdevez, o Padre Himalaya foi um pioneiro das energias renováveis, muito antes do conceito de sustentabilidade estar em voga.
Em 1901, este visionário decidiu usar o sistema de Propriedade Intelectual (PI), submetendo um pedido de patente nacional para “Um aparelho para a utilização industrial do calor do Sol e obtenção de altas temperaturas”.
Desde os tempos do rei Dom Carlos – que assistiu na Tapada da Ajuda a uma demonstração malsucedida da máquina solar do padre inventor – que se desenvolveu a consciência da importância de gerar inovação orientada para a sustentabilidade. Mesmo assim, o Relatório Global de Desenvolvimento Sustentável de 2023 destacou o progresso lento ou deteriorado para muitos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas, enfatizando a necessidade urgente de uma transformação baseada em ciência. A este respeito, a União Europeia tem procurado fazer a sua parte criando financiamento específico para apoiar projetos verdes.
Ora, se há ciência e tecnologia, há potencial para ser gerada PI. Mas que PI serve melhor os objetivos de desenvolvimento sustentável? Deve ou não o sistema de PI ser tendencialmente neutro em matéria ambiental?
A relação entre PI e sustentabilidade é complexa e difícil de resumir. Não constitui um requisito para a concessão de uma patente que a invenção traga benefício para a sociedade, nem é obrigatório que o inventor refira o impacto ambiental da sua invenção. No entanto, não há dúvidas que o sistema de patentes pode (deve?) ter um papel importante no que toca à sustentabilidade.
Por um lado, os direitos de PI, incentivam a inovação ao conceder aos inventores direitos de exclusivo. As patentes, por exemplo, podem proteger tecnologias mais eficientes de produção de energia renovável. Neste sentido, a PI pode ser usada como um barómetro da sustentabilidade de uma empresa, permitindo avaliar quão “verde” é um portfólio de patentes de uma empresa. E ter métricas de PI claras e transparentes pode ser importante no contexto dos critérios ambiental, social e de governança (conhecidos pela sigla inglesa ESG), incluindo para os investidores que decidem privilegiar empresas ou projetos com características ESG positivas (tal como a Condessa da Penha Longa financiou o projeto solar do Padre Himalaya).
No entanto, o uso da PI pode também dificultar a implementação de tecnologias limpas se os detentores de PI restringirem injustificadamente o acesso a invenções, ou ainda nos casos de classificação indevida (o chamado “green washing”).
É, por isso, que colocar a PI ao serviço da sustentabilidade é muito mais do que olhar para a tecnologia subjacente a um pedido de patente e classificá-lo como sendo “amigo do ambiente”. As empresas precisam de perceber qual a sua política quanto à titularidade das invenções, se a lista de inventores reflete a diversidade dentro da empresa, se proteger a tecnologia através de direitos de PI é ou não essencial ou se se deverá permitir que todos a usem livremente. Deve ponderar-se, ainda, que modelo de exploração de direitos de PI usar e qual o mais alinhado com os ODS, não esquecendo o respeito pelos direitos de PI de terceiros.
No caminho para a sustentabilidade as organizações terão de procurar intencionalmente uma governação sólida e ecocêntrica, também em matéria de PI. E, ao adotar práticas responsáveis, apoiar a transição para um futuro sustentável.
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