Editorial

O que vai fazer Marcelo com esta vitória?

Os portugueses deram uma vitória inequívoca a Marcelo Rebelo de Sousa, com mais de 2,5 milhões de votos. O que será a presidência e a relação com um Governo que está em desgoverno?

Marcelo Rebelo de Sousa ganhou as eleições à primeira volta de forma inequívoca, com 60,7%, o que corresponde a um reforço significativo em relação às presidenciais de há cinco anos, com uma legitimidade e autoridade política suportado pelo ‘centrão’, o PSD e o PS, e por moderados de um espetro político mais abrangente. Há muitas ilações a tirar destes resultados, à esquerda e à direita, mas a pergunta mais importante destas eleições é esta: O que fará Marcelo com esta votação no segundo mandato, num contexto de pandemia e de crise económica que vai demorar anos e com um governo socialista em desgoverno?

A esquerda radical perde de forma clara, o PS ganha com isso, a direita populista e os liberais ganham peso político, o CDS desapareceu e o PSD tentou transformar em sua uma vitória de quem emerge como o líder político moderado e de unidade do país. A votação de Marcelo é particularmente importante quando o Governo está em roda livre, quando decide em função das sondagens, tarde e mal, como é claro do que se vê desde novembro, quando a segunda vaga da Covid-19 ganhou força. Desde esse momento, não tivemos um Presidente a impor e a exigir responsabilidades, tivemos um candidato que já não tinha, nem queria ter, nem queria arriscar, qualquer confronto com António Costa. Os avanços e recuos de Marcelo com Eduardo Cabrita, Marta Temido e mais recentemente com Francisca Van Dunem são exemplo disso.

E agora? Tiago Mayan Gonçalves fez a Marcelo a mais dura das críticas, e que ficará para os próximos cinco anos: Vai acabar o segundo mandato como o Presidente do país mais pobre da Europa. De tudo o que foi dito, numa campanha eleitoral limitada e que pouco discutiu os poderes presidenciais, o que fica é mesmo este vaticínio. O que fará Marcelo para contrariar uma tendência que nem os fundo comunitários nem o sucesso de uma vacinação parecem poder evitar?

Marcelo Rebelo de Sousa não precisa de ser a oposição que a oposição não faz para fazer o seu papel. Um Presidente não é nem deve ser um líder da oposição, mas convém que não seja o que Marcelo foi nos últimos cinco anos. A cooperação institucional não pode ser confundida com um facilitismo político, mesmo quando o não há alternativas a Costa. Nem pode fazer de conta que é um primeiro-ministro-sombra, que tapa os buracos que se vão abrindo.

No discurso de vitória, Marcelo sinalizou o que aí vem. “Os Portugueses ao reforçarem o seu voto querem mais e melhor em proximidade, em convergência, estabilidade, construção de pontes, exigência e justiça social e de modo mais urgente em gestão da pandemia. Desse sinal tirarei devidas ilações”. Cada um valorizará o que quiser, sublinha-se a exigência.

Marcelo tem, compreensivelmente, uma prioridade, a luta contra a pandemia, e também porque foi cúmplice do Governo mesmo quando discordava dele. Chegou a assumir responsabilidades que não tinha nem tem, talvez no máximo por omissão, no que não foi feito ou feito tardiamente. Mas tem de olhar para o dia seguinte. Os portugueses “não querem um pandemia infindável, uma crise sem fim à vista, um recuo em comparação com outros países, uma radicalização e um extremismo nas pessoas nas atitudes na vida social e política”, disse Marcelo. Pois, mas é exatamente isto que temos, e o que fará com os 60% de votos para que isto, esta crise, não se torne sistémica?

O Governo está fragilizado pelos resultados da estratégia de combate à pandemia, o BE e o PCP valem menos do que o Chega (mesmo salvaguardando que estas contas comparam presidenciais com legislativas), e o tempo agora é de emergência. Mas o próximo orçamento será decisivo para perceber que novo Presidente terá o país. Antes, terá mesmo de avaliar um orçamento retificativo, porque o orçamento que está em vigor já está desatualizado. E como disse em entrevista ao ECO, terá de garantir que os fundos comunitários não são consumidos pelas grandes obras públicas e pelo Estado e chegam ao setor privado, às empresas e às famílias. Assim, Marcelo será o mesmo dos últimos cinco anos ou outro, mais exigente, como o próprio diz, a defender a prioridade à competitividade do país, à criação de riqueza, sem esquecer a correção da desigualdade social?

A vitória de Marcelo Rebelo de Sousa é uma boa notícia para o PS, disse Carlos César na reação aos resultados eleitorais. Se se confirmar, é uma má notícia para o país.

E outras notas soltas

  • O PS não foi às presidenciais para evitar uma derrota que lhe ficaria colada no meio de uma crise de saúde e económica e social. Mas se há derrotados nestas presidenciais são mesmo à esquerda, o BE e o PCP, que foram a jogo e tiveram menos somados do que o Chega.
  • André Ventura chegou aos dois dígitos com um discurso simplificado e populista, que colheu apoio dos mais afetados pelas crises sucessivas dos últimos 20 anos (para não ir mais longe). O líder do Chega veio para ficar e tem tanta mais força quando mais incompetentes forem os partidos moderados à esquerda e à direita.
  • Ana Gomes garantiu o segundo lugar, foi a mulher com melhor resultado, ganhou a Ventura, mas perdeu. Ficou longe de outros independentes da área socialista, como Sampaio da Nóvoa. E os votos que captou não são de Ana Gomes, voltam à origem já hoje.
  • Tiago Mayan Gonçalves cristalizou a afirmação dos liberais num país estatizado, e as diferenças em relação aos populistas do Chega, e conseguiu explicar, em dois ou três momentos da campanha, que há mitos que não resistem a uma boa explicação, particularmente a de que os liberais querem o fim e a extinção do Estado. E nos distritos de Lisboa e Porto registou mais de 4% dos votos.

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