
O reforço do órgão de fiscalização no novo aviso do Banco de Portugal
O novo regime introduz também novas obrigações de pronúncia do órgão de fiscalização em matérias como nas situações de cumulação das funções de compliance e gestão de risco numa única unidade.
O Banco de Portugal publicou recentemente o Aviso n.º 2/2025, que introduz alterações relevantes ao Aviso n.º 3/2020, relativo aos sistemas de governo e controlo interno das instituições bancárias. Entre as várias novidades, destaca-se um reforço claro do papel do órgão de fiscalização.
A visão tradicional deste órgão como um mero verificador do cumprimento da lei, com uma atuação reativa e centrada na confirmação das contas, está definitivamente ultrapassada. A crise financeira de 2008 expôs as fragilidades desse modelo, evidenciando que muitos órgãos de fiscalização foram incapazes de detetar ou reagir adequadamente aos riscos que se acumulavam nas instituições.
Desde então, o quadro legal e regulatório tem evoluído no sentido de exigir uma atuação mais ativa e informada por parte dos membros dos órgãos de fiscalização. Supervisores como o Banco Central Europeu e o Banco de Portugal têm vindo a aumentar as suas expectativas relativamente ao envolvimento, conhecimentos e disponibilidade destes membros. Por outro lado, a crescente complexidade do negócio bancário e os novos riscos a que está exposto — incluindo ESG e desafios tecnológicos e de cibersegurança — impõem um nível de especialização e uma capacidade de acompanhamento das matérias sem precedentes.
Hoje, os membros do órgão de fiscalização e outros membros não executivos são chamados a participar em diversos comités especializados, a acompanhar variadíssimos assuntos com regularidade e a emitir pareceres sobre um conjunto alargado de matérias que extravasam largamente a contabilidade ou o estrito cumprimento da lei. Este alargamento de responsabilidades transformou o perfil exigido a quem integra estes órgãos, esperando-se que sejam agentes ativos na preservação da solidez e integridade das instituições.
É neste contexto que surge o novo Aviso n.º 2/2025, que reforça esta visão mais interventiva do órgão de fiscalização. Entre os aspetos mais significativos, destaca-se a exigência explícita de que o órgão de fiscalização disponha de recursos humanos e técnicos suficientes para cumprir eficazmente as suas funções. Fica igualmente consagrada a possibilidade de este órgão recorrer a serviços externos de apoio sempre que considere necessário, bem como a obrigatoriedade de contratar, pelo menos uma vez por mandato, serviços adicionais ao Revisor Oficial de Contas (ROC) ou à Sociedade de Revisores Oficiais de Contas (SROC).
Outro aspeto estrutural reside na criação de linhas de reporte formais entre as funções de controlo interno — como compliance, gestão de risco e auditoria interna — e o órgão de fiscalização. Estas linhas de reporte devem ser devidamente documentadas no regulamento interno do órgão, que passa a ser obrigatório e com conteúdo definido no próprio Aviso. Este regulamento interno deve especificar em que matérias o órgão pretende receber informação, com que periodicidade e com que grau de detalhe.
Para além disso, fica clarificado que qualquer membro do órgão pode solicitar, individualmente, informações às funções de controlo, independentemente de deliberação do coletivo. Isto reforça a proatividade individual dos membros e evita bloqueios operacionais.
O novo regime introduz também novas obrigações de pronúncia do órgão de fiscalização em matérias específicas, como nas situações de cumulação das funções de compliance e gestão de risco numa única unidade.
Este alargamento do papel do órgão de fiscalização tem, evidentemente, implicações na exigência colocada a quem o integra. Conhecimento técnico, tempo disponível, independência de espírito, sentido crítico e capacidade de intervenção tornam-se, cada vez mais, atributos indispensáveis. E essa crescente responsabilidade tem, inevitavelmente, de ser acompanhada por uma remuneração adequada. Não se trata apenas de justiça, mas de garantir que é possível atrair e reter profissionais com o perfil necessário para assumir este papel fundamental na arquitetura interna das instituições bancárias.
A evolução da regulação e supervisão financeiras está a dar aos órgãos de fiscalização um papel cada vez mais central no governo interno das instituições. O desafio agora é garantir que estes têm as condições — em meios, em competências e em dedicação — para cumprir cabalmente a missão que lhes é exigida.
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