O risco sísmico em Portugal e o geopolítico global

  • António Rito Batalha
  • 12:08

O especialista em resseguro António Rito Batalha encontrou um trágico paralelismo entre a inação de Portugal quanto a um Fundo Sísmico e a inépcia dos governantes a gerir a crise política mundial.

A história do terramoto de Lisboa de 1755 é uma das maiores tragédias naturais e humanas da Europa moderna. A destruição foi quase total: edifícios ruíram, incêndios devastaram a cidade e um maremoto varreu o que restava. Mas tão devastador quanto o próprio abalo foi o facto de o país não dispor de qualquer estrutura organizada para mitigar ou responder ao desastre. Não havia seguros, nem sistemas de alerta, nem coordenação estatal eficaz — apenas desamparo.

Quase 270 anos depois, Portugal continua vulnerável a um fenómeno semelhante — não por desconhecimento, mas por inação. A proposta da Associação Portuguesa de Seguradoras para a criação de um esquema público de resseguro para risco sísmico permanece por implementar. A realidade é inquietante: milhares de edifícios em zonas de risco, uma reduzida taxa de penetração de seguros contra sismos, e uma total ausência de cobertura universal mínima obrigatória. Se hoje ocorresse um novo terramoto semelhante ao de 1755, as consequências económicas e sociais seriam novamente catastróficas — mas previsíveis, e por isso, inaceitáveis.

Hoje, o mundo enfrenta um “sismo geopolítico” semelhante: um conjunto crescente de tensões militares, colapsos diplomáticos, corrida armamentista e desinformação, como bem descreve Patrick Wintour no seu artigo de The Guardian “Are we heading for another world war or has it already started”. Muitos sinais estão à vista — conflitos regionais ativos, alianças em deterioração, reações imprevisíveis de potências nucleares.

Os líderes políticos agem como se a terra ainda não estivesse a tremer, enquanto as placas tectónicas da ordem mundial já se deslocam perigosamente. A sociedade civil, por sua vez, encontra-se num estado de confiança enganosa, como os lisboetas que foram à missa na manhã de 1 de novembro, sem saber que o chão lhes fugiria debaixo dos pés.

Ambos os casos — o risco sísmico em Portugal e o risco de colapso global — partilham três características fundamentais:

  • O perigo é conhecido: os estudos de risco sísmico em território nacional estão disponíveis, assim como os relatórios internacionais sobre a escalada militar e diplomática;
  • As soluções estão propostas: a criação de um fundo de resseguro sísmico em que o estado surge apenas como ressegurador de último recurso, ou a renovação dos mecanismos multilaterais de segurança global, não são ideias novas;
  • Falta ação coordenada: o maior risco não é o evento em si, mas a ausência de preparação institucional para enfrentá-lo.

Se Portugal voltar a ser atingido por um grande sismo sem um esquema de proteção, a tragédia será dupla: natural e política. Do mesmo modo, se o mundo mergulhar num conflito de proporções globais, o desastre será não só fruto da agressão entre estados, mas também da incapacidade coletiva de preparar — e prevenir.

Ignorar riscos evidentes nunca os elimina. Só os torna inevitáveis.

  • António Rito Batalha
  • Senior Client Manager Reinsurance & Insurance

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