O triatleta e a vitória do crime

Culpa, ganância, ambição, traição, vingança, assassínio e pulhice. Estes são os ingredientes que marcam sempre uma boa história.

Há poucos dias, três televisões emitiam em directo as discursatas da praxe do debate quinzenal no Parlamento. Outra televisão apresentava todas as novidades do macabro caso que toda a gente conhece, seja classe A ou D, professor universitário ou caixa de supermercado, a morte do triatleta, Luís Grilo. E esta última tinha mais audiência que os outros três canais juntos. A CMTV pode ter muitos defeitos, que os tem, mas conhece muito mais do país real e do seu interesse que muitos “entendidos” da televisão portuguesa.

Podem não gostar, e estão no seu direito e assim mudarem de canal, mas a CMTV tem muito mérito no trabalho realizado e muito menos meios que os seus rivais, no entanto, lidera as audiências no cabo entre os canais informativos. Porém, o seu maior triunfo – e já aqui no ECO tinha dado nota num artigo intitulado “A vitória da CMTV” e agora ainda mais robusteço essa opinião – é a influência que exerce na agenda mediática, levando os outros canais a tentar copiar, e a fazer e acompanhar notícias que ainda há pouco tempo não chegavam às suas antenas. Com um pormenor: é que têm muito menos talento e competência, e chegam sempre depois porque a CMTV criou bem a percepção junto dos portugueses que chega primeiro ao que acontece em todo o País, pois o caldo de cultura da nova televisão líder é formada na sua origem, na criação do Correio da Manhã, jornal na altura liderado por Vitor Direito e do qual Octávio Ribeiro, que tem feito trabalho notável, é um distinto herdeiro.

Podem dizer como já ouvi que essa liderança informativa se baseia no crime. Pois eu costumo replicar de duas maneiras: 1- a CMTV é o único canal que não tem debates de politicozinhos, a torto e a direito, que são a caixa de repetição das posições dos seus partidos como acontece na concorrência, pois na Cofina percebeu-se que os portugueses estão-se marimbando para assuntos da política e estão cansados dos mesmos protagonistas de sempre e alguns que aparecem «são apenas atitude velha com cabelo novo», como se dizia no fabuloso episódio “Waldo” da genial série Black Mirror; 2- e não é crime, são histórias bem contadas. A narrativa que a CMTV desconstruiu, com ajuda de especialistas que são especialistas – uma palavra para a prestação sempre magnífica do ex-ministro Rui Pereira que explica e torna de fácil compreensão para todos os problemas, daquela rapariga medonha do Montijo que matou a mãe. E, sobretudo, este caso do triatleta que a CMTV agarrou, criando uma sequenciada telenovela de um crime que começou por um mistério estranhíssimo e se veio a saber contou com a frieza de uma quase Lady Macbeth da zona do Carregado que, com o amante, alegadamente matou por amor e dinheiro. E, aqui, não podemos esquecer o papel da Polícia Judiciária. Quando vejo uma série de instituições a falir, a confiança dos portugueses pelas ruas da amargura quanto a políticos e à elite empresarial, temos a nossa polícia de investigação criminal com resultados brilhantes, e mereciam muito mais meios porque têm inúmeras limitações, a resolver excepcionalmente, sem olhar a quem, poderosos ou menos conhecidos, dentro das suas atribuições os casos com que se depara e tenho para mim que, Luís Neves, em nome do corpo que lidera deve ser uma das personalidades de 2018. E se alguém tem dúvidas disto, veja-se o trabalho da PJ na resolução de uma palhaçada, que é uma vergonha nacional, que foi o assalto a Tancos.

William Shakespeare, um dos maiores escritores de todos os tempos, foi o melhor artífice nas suas obras das pulsões mais negras do ser humano, porque as compreendeu como ninguém. Leiam “Macbeth”, “Ricardo III”, “Rei Lear”, “Otelo” e vão ver que está lá tudo sobre culpa, ganância, ambição, traição, vingança, assassínio e pulhice. Estes são os ingredientes que marcam sempre uma boa história, daquelas que dão audiências. A CMTV não escreve como Shakespeare mas dá às pessoas a notícia que elas querem ver. Não é crime, é apenas a arte de contar uma boa história e é muito isso que tem faltado à imprensa e à televisão portuguesa.

O autor não escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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