SIRESP, de acionistas falidos a acionistas desavindos

Alguma coisa tinha de mudar no SIRESP e mudou. De uma empresa com acionistas falidos, o SIRESP passa agora a ser da Altice e do Estado, "amigos" de longa data.

O SIRESP é uma parceria público-privada promovida pelo Ministério da Administração Interna e que opera a Rede Nacional de Emergência e Segurança. Passou a ser notícia pelas piores razões: falhou estrondosamente em Pedrógão Grande e nos incêndios de outubro de 2017. A rede de comunicações era feita de cabos aéreos que foram queimados com os incêndios, deixando os bombeiros à nora, sem comunicação, fazendo perigar a vida de centenas de pessoas.

Além de estruturalmente mal feita, por não ter sistemas adequados de redundâncias e autonomia energética, a estrutura acionista do SIRESP era uma espécie de Frankenstein de empresas, umas falidas, outras com acionistas falidos e outras em processos de reestruturação.

Estrutura acionista do SIRESP

 

A Esegur (12% do SIRESP) é uma herança do falido Banco Espírito Santo e que hoje é detida em 50% pelo Novo Banco e em 50% pela Caixa. A Galilei (33% do SIRESP) e a Datacomp (9,55%) são uma herança da SLN, dona do falido BPN, e que agora estão na massa falida gerida pela Parvalorem. A Motorola (14,9%), que outrora foi uma gigante das telecomunicações, hoje em dia é uma espécie de empresa zombie que em 2012 foi comprada pela Google por 12,5 mil milhões e, em 2014, pela Lenovo por uns míseros 2,9 mil milhões. A PT Participações (30,55%) era do universo PT/Oi e quase foi à falência graças aos investimentos que Zeinal Bava e Henrique Granadeiro fizeram no BES.

Isto não era uma estrutura acionista, era uma manta de retalhos empresarial que nem sequer tinha músculo financeiro (e mandato) para os investimentos que o SIRESP precisava.

Depois de Pedrógão, o Estado foi pressionado a fazer alguma coisa. E fez. Do ponto de vista operacional, grande parte das estações base do SIRESP no Continente já tem soluções de redundâncias através de satélites. As antenas, que tinham autonomia energética para apenas seis horas caso houvesse um corte de eletricidade, estão a ganhar maior autonomia devido aos investimentos em geradores móveis. O Estado está a investir ainda nas estações móveis, com comunicações via satélite, para chegar a zonas onde a cobertura do SIRESP é mais deficiente.

Mas não chega. O Governo achou, e bem, que devia entrar no capital do SIRESP e dois ministros deram a garantia de que o Estado iria mandar na empresa: Pedro Marques falou em “tomada de controlo” e Eduardo Cabrita até disse a percentagem com que o Estado iria ficar: 54%. O problema é que os ministros fizeram uma promessa que não dependia apenas do Governo para ser cumprida. Três acionistas estavam dispostos a vender as suas posições (Galilei, Esegur e Datacomp), mas os restantes tinham o direito de preferência na compra. E foi o que fez a Altice que adquiriu as participações da Esegur e Datacomp, passando a deter a maioria do capital do SIRESP.

Nova estrutura acionista do SIRESP

 

O Estado, que prometeu 54%, saiu deste negócio com apenas os 33% que adquiriu à Galilei. Daí as palavras acintosas do CDS que acusou o Governo de “faltar à verdade”. Claro que politicamente o Governo pôs-se a jeito para as críticas:

  1. Prometeu, e não cumpriu, ficar com o controlo do SIRESP;
  2. E fica a gerir no SIRESP a meias com a Altice, empresa que o próprio primeiro-ministro culpou no Parlamento por falhas na rede de urgência. Basta lembrar o que disse António Costa, no debate do Estado da ação em 2017, quando questionado sobre o tema Altice: “Espero que a autoridade reguladora olhe com atenção para o que aconteceu só nestes incêndios de Pedrógão Grande com as diferentes operadoras, para compreender bem como houve algumas que conseguiram manter sempre as comunicações e como é que houve outra que esteve muito tempo sem conseguir manter comunicações nenhumas”. E terminou com esta frase: “Já fiz a minha escolha da companhia que utilizo”.

Este último ponto é importante já que o Estado vai gerir a meias uma empresa com a Altice e precisa de existir uma relação de confiança. Diz o provérbio que “amigos amigos, negócios à parte”, mas neste caso a máxima não se aplica porque o SIRESP é mais do que um negócio; é um sistema que salva vidas se for bem feito, ou mata pessoas se não for eficiente.

A Altice opta por ficar no capital do SIRESP porque quer ser o parceiro tecnológico e fornecedora do projeto e nem sequer está propriamente interessada em gerir o dia-a-dia da empresa. Por isso é que, apesar de ficar com a maioria do capital, dá ao Estado a presidência do SIRESP e dois dos três administradores executivos.

É importante que estes dois acionistas se entendam e, mais importante, que estejam dispostos a investir e a não encarar o SIRESP como um projeto low cost. Como se viu em 2006, quando António Costa era ministro da Administração Interna e renegociou as condições do SIRESP para cortar custos, nestas coisas o barato sai caro.

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