Os limites da lógica no marketing, descapotáveis, sexo e hambúrgueres

Big data, inteligência artificial, algoritmos e programática estão na moda mas no mundo do marketing o inconsciente humano é uma força muito mais poderosa.

Rory Sutherland, vice-chairman da Ogilvy tem, no seu último livro, uma frase interessante sobre os limites da lógica: “if you expose every one of the world problems to ostensibly logic solutions, those that can be solved by logic will rapidly disappear, and all that will be left are the ones that are logic-proof – those where, for whatever reason, the logical answer does not work”.

Sutherland é um publicitário que defende há largos anos – geralmente de forma muito convicta – que as agências de publicidade devem centrar o seu processo criativo na psicologia e na ciência comportamental. E como a principal característica do ser humano não é a racionalidade, por vezes as melhores soluções para determinados problemas são mesmo as mais irracionais e que desafiam a lógica.

Considerado por muitos na indústria como um excêntrico, as teses de Sutherland recuperam o pensamento muito em voga nas agências de publicidade nos anos 40 nos Estados Unidos.

Ernest Dicther foi uma das pessoas que mais contribuiu para esta visão. Psicólogo austríaco contemporâneo de Freud partiu para os Estados Unidos no final dos anos 30 com o aumento da perseguição aos judeus por parte do regime Nazi.

Nos Estado Unidos encontrou trabalho numa agência de publicidade e ficou famoso com um trabalho que fez para a Chrysler Corporation em 1940.

O fabricante de automóveis chamou o psicólogo a Detroit para ajudar com a gama de carros Plymouth cujas vendas estavam estagnadas. A grande ideia de Dichter foi perceber a importância que o descapotável tinha nesta gama da marca. Apesar de ser responsável por apenas dois por cento das vendas, o descapotável atraía um grau desproporcional de atenção no stand.

A hipótese colocada por Dichter – claramente influenciado por Freud – foi sobre o significado simbólico do descapotável. Dichter associou o desejo de comprar um descapotável ao desejo secreto de ter uma amante, que atribuía aos homens, especialmente os mais velhos. Mas, para a maioria dos homens, a escolha era quase sempre o sedan (a mulher), confortável e seguro enquanto o descapotável (a amante) ficava apenas no plano do sonhos.

Com base nesta ideia, a Chrysler mudou a forma como os descapotáveis eram apresentados no stand – assumindo um papel central – usando-os como isco para a venda dos sedan. Ao mesmo tempo, refez o plano de comunicação, recomendado, inclusive, anunciar em revistas femininas. A estratégia foi um sucesso e a sua divulgação na revista Time elevou Dichter ao estrelato no mercado publicitário quando ainda tinha apenas 33 anos.

O uso da psicologia na publicidade teve o seu auge entre os anos 40 e 60 quando desapareceu subitamente, em parte por questões éticas mal direcionadas que exageravam a capacidade de manipulação do inconsciente por parte de anunciantes maquiavélicos. Quem não se lembra da publicidade subliminar da Coca-cola no meio de filmes que fez disparar o consumo da bebida (supostamente um aumento de 57% nas vendas) nos intervalos do cinema? Uma excelente história. Principalmente, se não ligarmos a um pequeno detalhe que é o facto de nunca ter acontecido.

A campanha do Burger King – Whopper Detour – cujo case-study foi publicado recentemente pelo seu Chief Marketing Officer (CMO) na revista norte-americana Adweek, veio colocar o tema da psicologia e do inconsciente na agenda do marketing. O Whopper Detour é das coisas mais irracionais que foi feita nos últimos tempos e a sua análise é mais do foro da psicanálise e da semiótica do que de outras áreas de conhecimento. Como seria de esperar, a sua falta de lógica revelou-se um imenso sucesso.

Fernando Machado, Global CMO da Burger King, refere-se a esta campanha como um ponto de viragem na forma como a marca encara e faz marketing, tendo obtido um retorno de 37 dólares por cada dólar investido. Mas que campanha é esta e como chegaram a estes resultados?

A Burger King tinha acabado de melhorar a sua aplicação para telemóveis que permitia encomendar e pagar comida através do telefone. Mas, para isso acontecer, tinha de convencer as pessoas a descarregar a aplicação, a dar o seu número de cartão de crédito e, mais difícil ainda, convencer as pessoas a usá-la.

A empresa tal como os seus concorrentes recorreu a uma estratégia lógica e racional: dar descontos nos menus a quem descarregasse e usasse a app. Tal como aconteceu com os seus concorrentes a estratégia não resultou. Como tanta coisa a acontecer nas suas vidas, as pessoas não têm disponibilidade mental para descarregar uma aplicação de um restaurante de fast food, mesmo que isso lhes poupe bastante dinheiro. Mas, como já sabemos, a racionalidade não é o ponto forte da raça humana.

Acresce que a Burger King tinha um problema adicional. É que a McDonald’s tem uma rede de restaurantes muito maior que a Burger King, o que expunha um ponto fraco na utilização da aplicação.

Foi a partir daí que surgiu a ideia do Whopper Detour. A ideia é muito simples: a Burger King fez uma promoção em que vendia por um cêntimo um Whopper – o seu hambúrguer mais famoso – a quem encomendasse a partir da aplicação. Mas com um pormenor: essa oferta só estava disponível a quem abrisse a aplicação num restaurante da McDonald’s. Sim, leu bem. A Burger King geo-localizou todos os restaurantes da McDonald’s nos Estados Unidos (mais de 14 mil) e o desconto só funcionava se as pessoas estivessem num McDonald’s. Em termos práticos, as pessoas tinham que se deslocar ao McDonald’s, abrir a aplicação, encomendar o hambúrguer e ir até ao Burger King para levantar a sua refeição.

Não tem qualquer lógica. Como diz Fernando Machado: “É virar a experiência de marca de pernas para o ar”. Mas, com isto, a Burger King conseguiu duas coisas: em primeiro lugar, tornou a rede de lojas da McDonald’s (o dobro da sua) em lojas temporárias do Burger King, em segundo lugar, tornou a coisa tão irracional que as pessoas não conseguiam não falar sobre o assunto tornando o investimento em media pago praticamente irrelevante.

Resultados: 3,5 mil milhões de impressões online. O equivalente, segundo a marca, a 40 milhões de dólares em media. Mas, mais importante, os resultados no negócio foram impressionantes: A marca atribui à campanha – que durou apenas nove dias – o download da aplicação por parte de 4,5 milhões de pessoas e estima que a mesma seja responsável por um incremento anual de vendas de 15 milhões de dólares. Nada mau para uma campanha sem um pingo de lógica.

Provavelmente, Ernest Dichter teria gostado desta campanha. Ficamos é sem saber se nesta história o Burger King é a mulher ou amante.

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