Os melhores amigos de André Ventura

Os melhores amigos de Ventura são os banqueiros, as elites medíocres e incultas, os políticos envolvidos em corrupção, a impunidade que corrói os alicerces do Estado.

Tenho quase um quarto de século de actividade profissional, até 2001 no jornalismo (política e internacional), depois sempre na comunicação pura e dura. Não preciso de sondagens – muitas das quais nem acredito – para perceber o ar dos tempos e compreender que o Chega será o partido que mais crescerá à direita e, por isso, ainda na semana passada aqui no ECO sugeria que perguntassem aos três candidatos à liderança do PSD se estariam disponíveis para uma coligação com este partido, pois o CDS morreu e tenho dúvidas que o Rato Mickey que a Iniciativa Liberal elegeu como deputado – e agora como líder – tenha capacidade para potenciar este projecto conquistando mais eleitores.

“Há por aí muita gente que não sabe no que acreditar. São tão influenciados pela imprensa liberal (de esquerda na América) que já nem sabem quem são os bons. Se lhes disseres o que têm de pensar, vais perdê-los. Mas se lhes disseres o que têm de sentir, estão na tua mão”, dizia assim Russell Crowe interpretando Roger Ailles, o homem que criou a fox News, na soberba série “The Loudest Voice”. É esta a semente dos populismos mundiais. É sobre a percepção que agem os populistas e aqui em Portugal o que se sente é raiva, cansaço, asco com a impunidade de que gozam os poderosos e a conivência de um sistema político que tantas vezes andou de braço dado com aqueles que deviam estar presos e que agora a Justiça queima nos jornais mas não consegue culpabilizar e prender, continuando sem vergonha a andar por aí.

Não tenham dúvidas que os melhores amigos de André Ventura e do seu fortalecimento eleitoral são os banqueiros que obrigaram os portugueses a pagar os seus desvarios e incompetências, as elites medíocres e incultas – há tanto tempo que escrevo sobre isto – que andaram anos a mandar bitaites nos jornais ou a arregimentar outros medíocres e incultos para o Compromisso Portugal e que agora perdem perdões fiscais de dezenas de milhões de euros enquanto continuam com a morada na Quinta Patino pois não passaram a dormir debaixo de pontes, os políticos envolvidos em corrupção que ninguém sabe de onde vêm as suas fortunas ou os pilha-galinhas que telefonam ao empresário a pedir que não se esqueça deles porque precisam de pagar o IVA. Enquanto reinar a impunidade que corrói os alicerces do Estado, aumentarão os sentimentos de ódio e nojo do homem comum perante algo de inexplicável.

André Ventura justifica o seu posicionamento, evitando dizer que é de extrema-direita, para não assustar, pondo o acento tónico no «somos um partido de gente comum, não de elites, de pessoas que sofrem com o sistema». E assim voltamos a Roger Ailles que conhecia como poucos o poder e a sua relação com os media e as audiências, aqui está o epicentro do dualismo que marca a religião cristã – da qual Ventura é devoto e conhecedor pela sua educação no seminário – entre o Bem e o Mal. As elites do Mal com a cauda de Belzebú, contra os anjos do Bem, o povo, que assistem sem poder reagir aos seus desmandos que, no entanto, se revêem nas palavras do líder do Chega pois ele sorveu aquilo que no seu âmago sentem os descamisados para se tornar o seu paladino.

André Ventura, por muito que não gostem dele, não é uma criatura bizarra, é um homem inteligente, com traquejo na arena mediática e um actor eficaz quando veste a pele de vítima que é uma roupa que lhe cai bem. Prova disso é a inversão do programa eleitoral para começar a namorar outros segmentos de eleitorado, algo que tantos outros já fizeram no passado, como naquele dia em que Mário Soares teve de meter o socialismo na gaveta, puro cinismo político de quem quer crescer para ser partido de poder. E ainda conta com a arrogância e sobranceria de alguns que não percebem que diminuí-lo é quase um vitupério em boca própria e uma ajuda para a sua notoriedade e relevância. Ferro Rodrigues nunca viu uma magnífica série romena, “Umbre” (Shadows), senão saberia que «os ratos não são inteligentes. É o gato que é burro». E, sem ofensas para um para o outro, o presidente da Assembleia da República, naquele triste bate-boca no Parlamento, não pode desprezar quem representa milhares de cidadãos que depositaram no Chega o seu voto. André Ventura veio para ficar, habituem-se a ele. Quando matarem a impunidade o seu discurso esvazia-se, portanto, não cortem a voz a ninguém em democracia, porque até os elefantes do Cambodja sabem que isso é um erro.

O autor escreve segundo a antiga ortografia

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