Editorial

Os onze de Montenegro (e dois erros desnecessários)

As escolhas de Luís Montenegro para cabeças-de-lista não só fazem sentido, como são até desejáveis. Mas há dois problemas nestas listas: Hernâni Dias e Joaquim Miranda Sarmento.

A AD — o PSD mais o CDS — apresentou os cabeça de lista às legislativas de 18 de maio e ressaltou imediatamente o número de ministros que vai liderar em 11 círculos eleitorais, incluindo independentes, o que motivou uma reação crítica de governamentalização do partido. Mas será que isso é um problema ou é, mesmo, uma virtude?

O Governo estava em funções há cerca de um ano e as legislativas antecipadas, sabe-se, resultam de um facto extraordinário (e não é no bom sentido do termo), responsabilidade do primeiro-ministro. E como o próprio já confessou, em entrevista a Manuel Luís Goucha — estão a ver a utilidade destas entrevistas em programas chamados de ‘day-time’? –, Montenegro queria mesmo levar o país a eleições, para uma espécie de tudo ou nada.

Neste contexto, não só é natural que a AD apresente 11 ministros como cabeças-de-lista, como a pergunta pertinente, na verdade, será outra: O que é feito dos outros, dos que não vão a votos?

É claro que Montenegro (e Nuno Melo, o líder do CDS-PP) também está a usar estas escolhas para pôr o debate no sítio em que quer, na governação e na estabilidade, e a tentar esvaziar o que levou a esta crise política, o caso Spinumviva, uma sociedade da família direta do primeiro-ministro que beneficiou de rendimentos de empresas já em simultâneo com o exercício da função de Estado. Dito isto, é importante que os ministros prestem provas do que andaram a fazer (e do que prometeram e não fizeram).

Sejamos claros: Apesar do que está escrito na Constituição e na lei, as eleições legislativas são a escolha do primeiro-ministro. Marcelo Rebelo de Sousa, aliás, transformou a prática em doutrina quando dissolveu o Parlamento depois da demissão de António Costa. Agora, nestas eleições, a escolha é mesmo entre Montenegro e Pedro Nuno Santos, apesar dos outros partidos, apesar das escolhas por círculos eleitorais.

Há sistemas, como o inglês, que ditam que os ministros têm de se apresentar a votos. O nosso é diferente, tem a virtude de captar independentes que não estariam disponíveis para campanhas eleitorais e para o circuito da “carne assada” e para os bastidores dos corredores dos partidos. Mas também serve para desresponsabilizar governantes que não foram sufragados em voto e partidos quando as coisas correm mal.

Agora, os ministros vão ser confrontados com o seu trabalho durante este ano, mesmo quando se preparam para concorrer em círculos aos quais têm pouca ou nenhuma ligação. Ou alguém duvida que Ana Paula Martins, ministra da Saúde e cabeça-de-lista da AD em Vila Real, vai ter de discutir o estado do SNS e as promessas por cumprir com Fernando Araújo, cabeça-de-lista do PS pelo Porto? Este exemplo é o mais óbvio, mas aparecerão outros.

Em síntese, as escolhas de Luís Montenegro não só fazem sentido, como são até desejáveis. Mas há dois problemas nestas listas, de natureza absolutamente diferentes: Hernâni Dias e Joaquim Miranda Sarmento.

Sobre Hernâni Dias, já se disse quase tudo. O antigo autarca de Bragança criou duas empresas imobiliárias depois de estar em funções como secretário de Estado e envolvido diretamente na conhecida ‘lei dos solos’, e é difícil encontrar boas razões para ter feito tal coisa (só nos ocorrem más). Saiu do Governo, deixou de ter condições políticas para o exercício de funções, por isso não se percebe o que mudou para ter condições para o exercício de mandato de deputado. É uma escolha errada, que pode sair cara a Montenegro, sobretudo porque sinaliza que o primeiro-ministro desvaloriza os temas éticos.

A escolha de Miranda Sarmento para cabeça-de-lista da AD em Lisboa é outro erro, por razões dierentes. A função de ministro das Finanças, e neste caso até de Estado e das Finanças, tem de ser protegida, preservada do combate político partidário, que vai atingir níveis de agressividade elevados, como já se percebeu. É absolutamente necessário garantir a independência e autonomia do ministro face aos outros ministros e especialmente em relação ao partido, e isso só se torna evidente quando as coisas começam a apertar.

Lembram-se da incapacidade de Teixeira dos Santos em dizer ‘não’ a Sócrates em 2011, quando o Estado entrou em bancarrota? O ex-ministro aceitou liderar a lista do PS no Porto em 2009, assumiu como seus todos os compromissos e promessas eleitorais, e perdeu espaço e independência. Os tempos não são comparáveis sob nenhum ponto de vista, mas o envolvimento de Miranda Sarmento vai comprometê-lo, e isso não é bom para o próprio, nem para o primeiro-ministro. Menos ainda para o país.

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