País das Eleições

Contra todos os “situacionismos” e a bem do interesse nacional vamos apenas ser realistas e exigir o impossível. Portugal segue dentro de momentos.

A campanha eleitoral é uma “sirene no nevoeiro”. No nevoeiro de um país real que se encontra interrompido para obras de reabilitação política. Só que a campanha eleitoral não tem plano aprovado nem licença para construir nem plano de pormenor para apresentar aos portugueses.

O voto em Portugal é um acto de fé, não uma decisão racional. Somos um país sentimental. Somos socialistas por afinidade, comunistas pela moral, social-democratas por distinção, radicais porque sim, moderados porque não. Somos de direita pela ordem, somos de esquerda pela nova ordem. Num país ordenado por uma escala de alienação política variável, votar é um palpite numa sala de jogo, um tiro no escuro que pode sempre ser confundido com “fogo amigável”. As campanhas eleitorais em Portugal são “negar o real e apostar no futuro”.

A julgar pelo andamento das caravanas eleitorais, os partidos parece que abandonam a ideologia enquanto distribuem doses de sentimento, virtude e amor pelo povo. A virtude sempre foi usada pela política contra a política. É um clássico da demagogia eleitoral e democrática que esconde o mais esclarecido oportunismo e um desejo inconfundível de poder. Todos os partidos prometem a “Vida Nova” ao som de um “Lusitânia Beat” que sai das colunas dos “Vencidos da Vida”. Todos os discursos eleitorais não têm um átomo de estratégia, porque toda a paisagem política está dominada pelo “tacticismo” calculista que culmina num entusiasmo piegas e “eleitoralista”. Em tempo de campanha eleitoral Portugal é o país das reformas, o país do progresso, o país decente, o país da responsabilidade contra o país da aventura.

Na temporada da política das promessas vive-se na discussão a plenos pulmões da importância do voto útil, da relevância do voto de protesto, da inconstância do voto táctico. Os partidos assumem configurações instantâneas com uma exorbitância verbal que anuncia o novo Portugal. Só que o novo Portugal é o velho Portugal que desce às compras na feira porque é mais barato e mais tradicional. A campanha eleitoral põe em confronto o Portugal dos hipermercados e o Portugal das feiras. Mas a campanha só visita as feiras porque é mais popular e sempre anima as reportagens do dia. Nas feiras é a vox populi por excelência que revela a identidade de um país esquecido e abandonado pelas equações políticas entre actos eleitorais. As campanhas eleitorais são guerras sobre a natureza da realidade e no final perde a realidade e ganha sempre a política.

Uma campanha eleitoral é um comício não é um seminário. Mas mesmo num comício é impossível estar apenas centrado no confronto da retórica pobre e no coro de aplausos. A lógica de vencer um debate pode ter a consequência de perder um país. Um candidato dá garantias de viabilizar um governo minoritário do adversário e logo a questão da “reciprocidade” se coloca como factor fundamental para a sobrevivência da democracia portuguesa. Um “não que é não” é objecto de discussão como se fosse um tratado sobre a natureza da política. Os “abcessos de fixação” estão a matar a discussão política pela facilidade, pelo imediatismo, pela vertigem do ciclo noticioso, porque algo tem de se passar quando afinal nada se passa. O discurso político está reduzido a um raciocínio de administração e contabilidade.

Em vez de “impressionistas”, vamos ser “cerebrais” e “elitistas”. A política é sempre um argumento a favor da moral e da decência na definição de um mundo onde desejaríamos viver. As ideias políticas são um confronto entre visões distintas da realidade. O realismo político não é um conceito de oportunidade, não se define por um conjunto de preceitos ideológicos escritos por autores inteligentes e repetidos por políticos indigentes. O realismo político depende das ilações retiradas sobre as circunstâncias de um país. O realismo político não pode ser definido por um olhar superficial e impensado sobre as aparências. Porque a política em Portugal é o recreio da superfície e da aparência, o país é uma realidade bipolar entre a euforia e a depressão. Sem casa e sem nome, os portugueses são as vítimas da banalidade da política.

No país das eleições não se pode ser exigente. A exigência é marca de arrogância intelectual, actividade antinacional, frustração existencial. O país político adora criticar os “profetas da desgraça” e adora elogiar os “idiotas úteis”. No país das eleições temos de ser optimistas. O optimismo de quem acredita na “lucidez dos políticos”, no voluntarismo das boas intenções, na capacidade dos portugueses. O país político adora as “posturas construtivas” que garantem no futuro o “interesse nacional”. Contra todos os “situacionismos” e a bem do interesse nacional vamos apenas ser realistas e exigir o impossível. Portugal segue dentro de momentos.

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