Pedro Passos Coelho sai de cena

Passos Coelho agarrou o leme a meio da tormenta e, não obstante diversos desvios, levou o navio a porto menos inseguro. Uma linha que rumo que permitiu uma saída tão limpa quanto possível do resgate.

Não tenho por hábito escrever sobre individualidades, menos ainda individualmente sobre políticos. Mas hoje abro uma excepção. O anúncio da saída de cena de Pedro Passos Coelho assim o justifica.

Em jeito de preâmbulo, devo dizer que tenho uma péssima ideia da política portuguesa, mais ainda sobre os nossos partidos. Não é que faltem nos partidos pessoas com pensamento e com genuína vontade de contribuir para a mudança. Na realidade, não faltam pessoas assim.

O problema é outro: é a abundância de gente sem rosto, de gente sem nome, que se faz à boleia dos partidos. O problema reside em todos aqueles que ascendem à ribalta à conta de tanto abanarem as bandeirinhas. São todos aqueles que entram nas juventudes e que por lá ficam, da adolescência à velhice, nas entrelinhas e nas sombras, sem contributo que não seja a sabujice, alapados a um qualquer tacho. Tachos que frequentemente até são tachos de meia tigela, mas que contentam os medíocres e empancam as instituições. É desta política com “p” pequeno, da partidarite ao jeito da clubite, que eu não gosto. Mas Pedro Passos Coelho, que à partida poderia parecer saído daquela massa de gente, fez da política um exercício apesar de tudo diferente. Um exercício sem encenações tétricas nem facas longas.

Primeiro, nunca será de mais recordar que Passos Coelho agarrou o leme a meio da tormenta e que, não obstante diversos desvios pelo caminho, levou o navio a porto menos inseguro. Sinto-me à vontade para escrever sobre a sua governação, porque diversas vezes me insurgi contra algumas das suas opções. Por exemplo, critiquei-o ferozmente quando, logo no início do mandato, permitiu que Vítor Gaspar tivesse criado a sobretaxa de IRS. E mais critiquei a opção fiscal do Governo quando, um ano mais tarde, o mesmo Gaspar anunciou o tal enorme aumento de impostos, novamente de IRS. De igual modo, pareceu-me sempre um colossal erro de julgamento que se tivesse aumentado o IVA sobre a electricidade, ou que se tivessem feito as privatizações mais sonantes (em particular, os casos da venda da ANA e da participação pública na EDP) da forma que foram feitas.

Em tudo isto, ficou a assinatura de Passos Coelho enquanto primeiro ministro e responsável último daquele Governo. Sem prejuízo das circunstâncias financeiras à época, que hoje muita gente parece ter já esquecido, e do bloqueio constitucional que também marcou a sua governação, é indiscutível que algumas das suas opções foram manifestamente erradas.

Mas enquanto Portas dançava por entre os pingos da chuva, e Costa afiava as facas, Passos Coelho, sem alarido nem vedetismo, lá ia mantendo a linha de rumo. Uma linha de rumo que, apreciando-se mais ou menos, haveria de permitir uma saída tão limpa quanto possível do programa de resgate. É certo que houve erros de política, que prejudicaram a acção do Governo. E que também houve a política do BCE, que ao invés ajudou o Governo. Mas no essencial a linha de rumo foi de encontro ao objectivo traçado: o défice externo (e principal causador da intervenção externa) foi eliminado, o défice público passou de 10% para menos de metade (excluindo efeitos extraordinários), e a economia voltou a crescer a partir do final de 2013 (tendência que se manteria até aos dias de hoje).

É claro que vários problemas ficaram por resolver. A reforma do Estado, por exemplo, ficou por fazer. Contudo, nem o país estava preparado para a fazer nem o então vice-primeiro ministro, que dela fugiu como o diabo da cruz, a queria fazer. Ao mesmo tempo, o buraco na banca também ficou por resolver, ainda que neste domínio Passos Coelho tivesse sempre delegado na independência dos reguladores a resolução dos males bancários. Desafortunadamente, os reguladores, eles próprios perdidos no seu labirinto burocrático, falharam tanto ou mais que o Governo.

Como líder da oposição, Passos nunca encontrou o discurso certo. Em parte, porque subestimou, a exemplo de muitos outros (eu próprio incluído), a capacidade política do governo de Costa que repetidamente vai dizendo umas coisas, fazendo por vezes o seu contrário, conseguindo depois convencer o eleitorado de que está a fazer o que diz querer fazer ainda que o não faça!

Ainda como líder de oposição, faltou-lhe sobretudo trabalho de campo, tendo optado em geral por formular críticas de modo abstracto quando as mesmas deveriam ter sido concretizadas com recurso a exemplos práticos do dia-a-dia. Como a população não é geralmente dada a grandes exercícios de abstracção, a coisa nunca lhe saiu bem. Ao invés, como chefe de governo, Passos Coelho recebeu um país em grandes apuros e entregou-o num estado que já não era de aflição, bem pelo contrário, era já um país em recuperação. O seu governo deixou muitas coisas boas, como por exemplo: as mudanças no mercado laboral, a estabilização financeira das empresas públicas, a liberalização do mercado de turismo, a reforma do IRC, o quociente familiar de IRS, entre outras.

Mais, no plano institucional, não me recordo de alguma vez o ter visto a ser grosseiro ou ostensivamente indelicado com os seus adversários (coisa que, infelizmente, não posso afirmar do actual primeiro ministro). É precisamente pelo facto de a política também se fazer da forma, e não apenas da substância, que não posso deixar de enaltecer a gentileza de trato e um certo cavalheirismo sempre que os vislumbro. Ora, a verdade é que os vislumbrei em Passos Coelho. No mundo da política, este é o maior tributo que lhe posso prestar.

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