Por que é que os portugueses odeiam os seus chefes?
Os chefes são, na versão socialmente mais aceitável, burros. E, daí para cima, são débeis mentais, são ganancioso que que não olham a meios e são protegidos do poder.
Os portugueses odeiam os seus chefes. Os chefes são, na versão socialmente mais aceitável, burros. E, daí para cima, em ordem crescente de gravidade: são débeis mentais, têm mães que vendem o corpo na beira da estrada, são uns fusões que não olham a meios e são protegidos do poder. E, last but not least, nunca dito mas bem sabido: chegaram onde nós não chegámos.
Por que raio é que aquela besta chegou àquele lugar, quando eu seria muito melhor? Não que eu quisesse, claro.
A inveja portuguesa é auto-indulgente, displicente e cobarde. Eu é que não estou para isso, dizem à volta da máquina do café, concluindo mais uma sessão de catarse colectiva. Depois, passa o chefe, cumprimentam-no subservientemente, trocam olhares cúmplices e cínicos e voltam para o seu lugar, dando a entender que têm muito que fazer. Os mais lambe-botas ainda fazem uma pergunta ridícula qualquer ou um pedido de atenção patético para provar que estão a pensar no trabalho.
Esta subserviência atinge o seu zénite quando voltam de uma viagem de negócios com o chefe à estrada da Beira e declaram perante os colegas: conheci a mãe do chefe, é uma senhora muito elegante, a simpatia em pessoa.
Donde é que vêm estes chefes e como é que nos tornámos assim, tão subordinadamente subordinados? Já cá volto.
Sou adepto do efeito Pigmaleão. O efeito Pigmaleão é uma das mais inspiradoras ideias adaptadas à gestão. Pelo menos à gestão como eu a entendo, como me a ensinaram e como a experimentei. Há nesta ideia, que mereceu, entre outros, o olhar de um poeta Romano, de um dramaturgo irlandês ou de psicólogos norte-americanos, algo profundamente humanista, para não dizer profundamente cristão.
Depois há a “gestão” baseada na desconfiança, na presunção, na busca e na exaltação do erro, na evidência ostensiva do que falta fazer e na apropriação dos méritos do trabalho dos outros. Mas aqui já não estamos propriamente a falar de gestão. Estamos a falar de destruição activa de capital – para usar uma terminologia mais economicista – e estamos a falar de um atentado ao bem-estar de seres humanos – para usar uma terminologia mais humanista.
Dizem-me que gestão não tem nada a ver com humanismo – à falta de melhor palavra -, mas só com resultados. Não posso discordar mais. Uso, para definir gestão, uma formulação simples: maximização de ganhos e minimização de gastos. Se os resultados – os ganhos – dependem da boa utilização dos recursos, maltratar as pessoas – ou o capital humano, como os teóricos preferem – então estamos perante uma desvalorização de activos. O que, numa economia assente no conhecimento e no relacionamento é, ainda mais, um flagrante crime de lesa organização. Noutras palavras: organizações que têm gestores que maltratam os seus trabalhadores estão a destruir activamente a sua rentabilidade, competitividade e sustentabilidade.
Dizia que discordava da derrogação do humanismo enquanto variável crítica da gestão. Explico melhor, exibindo o óbvio ululante: 8 horas de trabalho diárias, uma hora de almoço, e 2 horas em deslocações para e do trabalho, são quase 50% do dia dedicado ao trabalho e à empresa. Se considerarmos apenas o tempo “útil”, subtraindo 8 horas de sono, então estamos a falar de quase 70% do tempo.
Insisto: Maltratar as pessoas que trabalham connosco nas organizações não é só estúpido, do ponto de vista da gestão, também é criminoso, do ponto de vista humano. Os dados que conhecemos do agravamento da saúde mental em espaço laboral, por um lado, e o que hoje se designa de quiet quitting, por outro, se não bastassem para despertar a atenção, a reflexão e a auto-avaliação de chefias, gestores e administradores, deveria servir para que os seus chefes os demitissem. Afinal, todos temos chefes, até os chefes.
Como fazer, então, para inverter este flagelo? Ademais, num país tão tragicamente marcado por uma baixa produtividade estrutural?
O que se fecha em si, não se abre aos outros, não é produtivo. E o que não se abre aos outros, não é sustentável. Tornar a gestão mais altruísta – mais humanista – é a forma de a tornar mais lucrativa e – muito importante! – sustentável.
Volto ao Pigmaleão. O efeito Pigmaleão é uma espécie de profecia auto-realizada: Se um gestor estiver convencido de que as pessoas da sua equipa são excelentes e lhes der espaço para desenvolver o seu potencial – e isso obriga a uma angustiante tolerância ao erro, eu sei – elas tenderão a confirmar as expectativas.
Não é pensamento mágico. Se o estimado leitor acha esta afirmação discutível, modero o entusiasmo e reformulo: em competição, uma equipa cujo gestor acredita exactamente no contrário – que as suas pessoas são um bando de madraços incompetentes – e as trata em conformidade, mesmo que o talento das duas equipas seja semelhante, esta segunda tenderá a ter resultados piores do que a primeira.
Volto aos motivos pelos quais os portugueses odeiam os seus chefes. Há nisto uma componente psicológica, individual: o que os gestores acreditam sobre si mesmos – mesmo que subconscientemente – influencia o que eles acreditam sobre seus subordinados, o que esperam deles e como os tratam.
Não surpreende, portanto, que se pareçam tanto com os chefes que odeiam: no fundo fazem o que viram fazer, mimetizando os exemplos de autoridade que vêm de trás.
Para quebrar este ciclo é fundamental abraçar outros modelos de liderança, não sem, contudo, deixar claro que o modelo tóxico não existe em todo o lado, e que não é inexorável que assim persista onde ainda persiste. Há, portanto, esperança.
Onde temos chefes que anseiam o poder pelo poder e estão exclusivamente centrados na sua manutenção, devemos ter líderes com um propósito para lá de si, e centrados em negócio e oportunidades.
Onde abunda enfraquecimento de quem faz sombra, a solução está em fazer crescer, crescendo junto. Os resultados de excelência de um trabalhador, de uma equipa, só não são vistos como resultados de excelência de um gestor se este for um rematado imbecil, que colocou mais pedras no caminho do que as que ajudou a remover.
Onde se alimenta o medo, o caminho é o amor: só o amor liberta. Não é cantiga delicodoce: é atitude vencedora. Uso palavras alheias, de Chris Lowney, autor do livro Liderança Heróica: “os líderes enfrentam o mundo com confiança, por serem dotados de talento e de potencial para liderar. Encontram exactamente os mesmos atributos nas outras pessoas, e entregam-se a libertar esse potencial tanto em si como nos outros. Os líderes criam ambientes rodeados e estimulados pela lealdade, afecto e apoio recíproco”.
Por fim, e derrogando qualquer interpretação equívoca de bondade caridosa e não me distanciar do propósito dos negócios, a minha tese é a de que gerir com as pessoas parece uma fórmula mais lucrativa, sustentável e ética, do que gerir contra as pessoas.
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