
Por que não pode a União Europeia ignorar os ILS?
Insurance-Linked Securities (ILS) com destaque para os Catastrophe Bonds (“CAT Bonds”),são parte integrante da solução face aos novos riscos climáticos, naturais e sociais, lembra Nuno Matos à UE.
A proposta da Comissão Europeia para flexibilizar o regime de titularização representa uma oportunidade histórica para relançar um mercado há muito adormecido na União Europeia. O objetivo é claro: libertar capital dos balanços bancários, canalizá-lo para a economia real e reforçar a atratividade e profundidade dos mercados de capitais europeus.
Contudo, se o que está verdadeiramente em causa é construir um sistema financeiro mais resiliente, competitivo e ajustado à nova realidade dos riscos globais, este pacote legislativo deveria, de forma inequívoca, abrir espaço aos Insurance-Linked Securities (“ILS”) como parte integrante da solução.
Os ILS, com destaque para os Catastrophe Bonds (“CAT Bonds”), têm-se afirmado como instrumentos essenciais no financiamento e na transferência de riscos extremos. Em 2024, o mercado global de CAT Bonds atingiu um volume recorde de 47 mil milhões de dólares, mais 11% face ao ano anterior. Esta dinâmica reflete não apenas a crescente procura por ativos descorrelacionados, mas também a confiança dos investidores na maturidade e robustez deste segmento de mercado.
Num contexto em que o financiamento de riscos de longo prazo e natureza não financeira, como os riscos climáticos e catastróficos, representa um desafio crescente para o sistema bancário, os ILS oferecem uma alternativa complementar, sólida e eficaz. Ao transferirem riscos como terramotos ou furacões diretamente para os mercados de capitais, estes instrumentos permitem uma gestão mais ativa, transparente e eficiente das exposições, beneficiando seguradoras, resseguradoras e até entidades públicas.
Mais relevante ainda, os ILS apresentam uma característica particularmente valiosa ao não estarem correlacionados com os principais fatores de risco macroeconómico, como taxas de juro ou spreads de crédito. Esta independência torna-os uma ferramenta crucial de diversificação e estabilidade em ambientes de elevada volatilidade e incerteza prolongada. Para os investidores institucionais europeus, representam uma oportunidade de diversificação com retorno ajustado ao risco altamente competitivo.
Importa sublinhar que os ILS já são reconhecidos no quadro de Solvência II como técnicas elegíveis de mitigação de risco, eliminando simultaneamente o risco específico de seguro e o risco de incumprimento pela contraparte, desde que respeitados determinados requisitos prudenciais, ou seja, o enquadramento regulatório europeu já reconhece o seu valor técnico na ótica económica e de solvência. Falta, agora, estender essa lógica à sua utilização plena enquanto instrumento de mercado.
A proposta atualmente em discussão deveria, por isso, equiparar os ILS, do ponto de vista regulatório, às titularizações de crédito de elevada qualidade, criando um subregime próprio para titularizações de risco específico de seguro com requisitos proporcionais e calibrados ao risco efetivo. Esta mudança desbloquearia uma nova fronteira de inovação financeira sustentável e aumentaria significativamente a capacidade do setor segurador para absorver choques sistémicos.
Neste sentido, seria um erro desperdiçar esta oportunidade. A inclusão explícita dos ILS neste pacote legislativo não é apenas coerente com os objetivos da União dos Mercados de Capitais, é estratégica. Está em linha com a visão delineada no relatório de Mario Draghi, que defende uma mobilização decisiva do capital privado como motor da transformação económica europeia.
A União Europeia tem agora a oportunidade de liderar uma nova geração de ativos financeiros orientados para a gestão de riscos climáticos, naturais e sociais. Para isso, é fundamental que os decisores políticos deixem de olhar para os ILS como notas de rodapé no mercado de capitais e passem a vê-los como peças-chave de uma arquitetura financeira moderna, eficiente e resiliente, verdadeiramente preparada para os desafios que enfrentamos.
Ignorar o potencial transformador dos ILS não é apenas uma omissão técnica; é abdicar, desde já, da capacidade europeia de antecipar e enfrentar os riscos sistémicos que definirão o século XXI.
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