Portugal continua a ser o oásis da Europa ou é apenas uma miragem?

A politica orçamental e monetária e o turismo ajudam a proteger a economia de uma recessão global no curto prazo, mas o baixo investimento e a produtividade limitam o crescimento futuro.

A Alemanha perto de entrar em recessão, a China com o pior crescimento em décadas e a produção industrial em queda um pouco por toda a parte. As bolsas caem, assim com as taxas de juro, e a aversão ao risco aumenta por todo o lado. Mas eis que, enquanto tudo desmorona, há um pequeno retângulo no extremo ocidental da Europa que resiste!

Em dezembro escrevi aqui no ECO que o mercado de dívida pública estava a tratar Portugal como o oásis da área do Euro e que tal se devia não só ao sólido crescimento, mas também ao cumprimento das metas orçamentais e estabilidade politica (que contrastava com a instabilidade não só nos países da periferia mas também nos do norte da Europa). Desde então, não só o mesmo mercado continuou a beneficiar Portugal, que tem agora taxas de juro abaixo das italianas e cada vez mais próximas das espanholas, como o insuspeito Financial Times elogiou a atratividade fiscal (!) de Portugal e, principalmente, o crescimento tem continuado a surpreender pela positiva.

De acordo com os dados divulgados esta quarta-feira, Portugal voltou a crescer (pelo 21º trimestre consecutivo) e acima da média da área do euro (neste caso pelo 7º trimestre seguido). É certo que apenas seis países da moeda única crescem menos do que Portugal em termos homólogos (com destaque para a Alemanha, Franca e Itália), mas ainda assim o ‘momentum’ de curto prazo é mais favorável para Portugal. Quando comparamos os dados em cadeia (trimestre a trimestre) dos 12 países que já divulgaram as suas estimativas, apenas o Chipre e a Finlândia cresceram mais do que Portugal. Depois do crescimento de 0.5% no trimestre e de 1.8% em termos homólogos, “basta” que a economia mantenha este ritmo nos próximos trimestres para crescer em linha com o esperado pelo governo e acima da maioria das instituições internacionais e nacionais.

Crescimento homólogo e em cadeia (%)

Fonte: INE e cálculos do autor

Será então que está encontrada a fórmula mágica do crescimento? Será que num verão marcado por surpresas negativas de crescimento e por receios quanto a uma recessão global, Portugal é a honrosa exceção e irá contrariar a onda de pessimismo? Somos mesmo o oásis da Europa?
E antes de olhar para a bola de cristal e tentar ver o futuro, importa sistematizar alguns factos estilizados da corrente expansão:

  • Ainda que a atual expansão seja a mais longa desde a criação da área do euro, importa ter em conta que se está a seguir também à maior recessão pelo que a economia tem mais para compensar (ou como dizem os anglo-saxónicos existe mais “pentup demand”).
  • A expansão começou no segundo trimestre de 2014, um ano depois da recuperação da área do euro, dai que o ciclo em Portugal esteja menos “maduro” e tenha mais para compensar do que na média dos países da moeda única.
  • É indiscutivelmente positivo que Portugal esteja a convergir com a área do euro. No entanto esta convergência é o mínimo exigível depois de um longo período divergência. Portugal tem vindo a convergir desde dezembro de 2017 — sete trimestres consecutivos, ou quase dois anos, já depois de o ter feito durante um ano entre o segundo trimestre de 2016 e o mesmo trimestre de 2017. No entanto, durante praticamente seis anos, entre junho de 2010 (ainda antes da Troika) e junho de 2016 (dois anos depois da saída do Programa de Ajustamento), a economia portuguesa divergiu da área do euro perto de 10%. Nesse período, Portugal contraiu 3.5% em termos reais, ao passo que a média dos países da moeda única cresceu 6.5%. E ainda que esta convergência esteja a ser relativamente longa, está a ser modesta em termos reais já que o crescimento também tem sido bastante sólido nos restantes países –- nos últimos sete trimestres, Portugal apenas recuperou 2% face a área do euro, ficando ainda bastante distante do perdido entre 2010 e 2016 e principalmente dos 12% que perdeu desde a criação da moeda única.

Diferença entre o crescimento português e da área do euro (pontos percentuais)

Fonte: Eurostat e cálculos do autor

  • Finalmente, na atual expansão, o emprego recuperou mais do que o produto, algo que ainda que seja positivo para a sustentação da procura interna no curto prazo, leva também a uma diminuição da produtividade – algo que não augura também nada de bom para o crescimento potencial…

PIB real: Portugal e Área do Euro (março de 2000=100)

Fonte: Eurostat e cálculos do autor

E daqui para a frente, esta convergência é para durar mesmo tendo em conta as nuvens que pairam sobre a economia mundial? Por enquanto sim, já que há “só” uma desaceleração do comércio mundial e das cadeias de valor industriais, algo a que Portugal está relativamente imune numa primeira fase.

Também em 2009 Portugal aguentou melhor o primeiro impacto da recessão e só depois colapsou. Agora não será muito diferente ainda que a uma menor escala. Mesmo com a procura externa a desacelerar, a politica orçamental e monetária continuam favoráveis: tal como em 2009, o Governo voltou a aumentar os salários da função publica e política monetária continua favorável, ajudando o financiamento da economia.

Para além disso, o turismo continua a crescer e contribui cada vez mais para a economia. Mesmo com a quebra de procura do Reino Unido devido ao Brexit e à depreciação da libra, para o setor contrair será necessário, primeiro, uma recessão com uma forte quebra do emprego na Europa, algo que, ainda que possa ocorrer, não está já ao virar da esquina. Portugal tem vindo a depender mais do crescimento das exportações de serviços (turismo) do que de bens pelo que está mais salvaguardado do primeiro impacto de uma crise do que outras economias.

Não é ainda conhecido o detalhe do PIB do 2º trimestre, mas parece que o crescimento se deveu ao contributo da procura externa líquida que mais do que compensou decréscimo da procura interna (principalmente do investimento) – mas será que esse contributo se deve a mais exportações ou a menos importações? A primeira hipótese seria a melhor já que significa que as exportações portuguesas ainda conseguem crescer no contexto atual. Já a segunda hipótese não é tão simpática já que significa que a expansão entrou já na sua última fase… E ter uma quebra do investimento quando este está ainda em níveis tão baixos (perto de 18% do PIB, e abaixo dos 21% da media do euro) não augura nada de bom para o crescimento futuro…

Em suma, o copo continua ainda meio cheio, no curto prazo, mas vai esvaziando: Portugal cresce há vários trimestres e tem lidado bem com a desaceleração europeia, mas isso é explicado por ter regressado ao crescimento há menos tempo e ter passado por uma recessão bem mais severa.
A economia portuguesa tem convergido, é certo, mas ainda assim pouco, e tem-no feito depois de uma grande e longa divergência.

A combinação da politica orçamental e monetária expansionistas com o crescimento do turismo ajudam a proteger a economia portuguesa de uma recessão global, pelo menos no curto prazo.
No entanto, o baixo nível do investimento (público e privado) e a baixa produtividade limitam o crescimento futuro.

O crescimento do emprego já começa a desacelerar e os sinais da necessidade de investimento são cada vez mais evidentes. Para além disso, o crescimento do turismo começou já a desacelerar. Será que, depois de um período de convergência, regressamos à velha tendência e voltamos a divergir, caindo cada vez mais no ranking das economias europeias? Para já não, mas não seremos o Oásis da Europa para sempre…

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