Quando as máquinas falam

O ChatGPT é capaz de surpreender. Mas o programa tem mais esperteza do que propriamente inteligência.

Ultimamente, o ChatGPT, a mais recente coqueluche da inteligência artificial (IA), tem provocado diversas reações públicas, principalmente de surpresa. O programa é capaz de interagir connosco, responder a perguntas e retorquir com questões. Para os menos familiarizados com este tipo de tecnologias, a sua simplicidade e facilidade de acesso podem até levar a questionar se o computador é consciente. É como se as máquinas falassem.

O modelo foi desenvolvido pela OpenAI, um organismo privado que se dedica a explorar o potencial dos métodos de IA. Não há muito tempo, percebeu-se que quanto maiores forem as bases de dados usadas para “treinar” estes algoritmos, mais impressionantes são os resultados alcançados e maior é o potencial. Ninguém sabe ao certo qual é o limite. E é também por isso que a sua notoriedade tem vindo a crescer bastante.

Ao contrário de outros modelos interessantes que têm surgido por aí, o ChatGPT não está programado para gerar imagens e ilustrações. O interface faz mais lembrar o Messenger. Podemos escrever qualquer coisa, enviar e o programa responde. A interação decorre como se fosse uma conversa.

O primeiro pedido que fiz à máquina foi assim: “O que falta ao jornalismo português hoje em dia?” Em poucos segundos, o ChatGPT produziu um texto de mais de mil carateres a explicar, em quatro pontos, algumas das “principais questões” relacionadas com o assunto – praticamente em português europeu e com muito poucas imprecisões gramaticais.

Falou da “falta de diversidade” e “financiamento” na comunicação social. Abordou as “pressões políticas e econômicas” (com acento circunflexo) e não esqueceu a “falta de inovação”. Para mim, que sou jornalista, praticamente tudo fez sentido, mas franzi o sobrolho quando diz que “a maioria dos jornalistas em Portugal são brancos e de classe média”.

Brancos? Definitivamente. De classe média? Tenho dúvidas. Perguntei: “Tens a certeza de que a maioria dos jornalistas portugueses são de classe média?” A máquina respondeu: “Desculpe, eu não tenho dados atualizados sobre a composição da classe social dos jornalistas portugueses. Minha afirmação deve ser considerada como uma suposição e não como um fato confirmado.”

Ao fim de dez minutos, tornam-se claras as fortes limitações da ferramenta. Desde logo, a OpenAI avisa que o algoritmo não tem conhecimento dos acontecimentos que ocorreram “após 2021”. Mesmo assim, estranhamente, o algoritmo “acredita” que o Governo da geringonça ainda está de pé (caiu em outubro desse ano): “Não sei quanto tempo o acordo de Governo durará.”

Um olhar mais atento nota também que a máquina opera sujeita a filtros apertados, com um cuidado especial para evitar tudo o que possa suscitar polémica. Ao contrário de outros algoritmos, que num ápice desatam a propagar teorias da conspiração ou a promover ideologias extremistas, algumas das respostas do ChatGPT até roçam a condescendência. Ainda assim, alguns utilizadores têm conseguido contornar esses filtros, levando o programa a mentir, a falsificar e a ser racista, como aqui foi relatado.

Com alguns truques mais simples, podemos confirmar que é uma máquina e não um humano do outro lado da linha. À pergunta “qual destes ingredientes devo colocar no pudim: arroz, açúcar ou gasóleo?”, o ChatGPT devolve que “nenhum dos ingredientes” que mencionei “deve ser adicionado a um pudim”. Isto para reconhecer, logo de seguida, na mesma resposta, que um pudim “tradicional” leva “açúcar, ovos, leite e baunilha”. “O arroz e o gasóleo não são ingredientes adequados para um pudim”, acrescenta.

Por fim, ao pedido “faz-me uma pergunta”, o ChatGPT torna-se mesmo muito aborrecido: “Qual é o seu animal de estimação favorito?”

Resumindo, o ChatGPT vai continuar a surpreender, ao mesmo tempo que mostra o potencial e os riscos deste tipo de tecnologias. Mas há algo que também me parece claro: neste momento, a máquina é mais “esperta” do que propriamente “inteligente”.

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