Quanto vale uma vida? A importância de segurar o futuro incerto

  • Cristina Vaz de Almeida
  • 16 Abril 2023

Cristina Vaz de Almeida, Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde, lembra que o destino final dos seguros são as pessoas e não os produtos e que a literacia em saúde é fundamental.

Dizemos que a vida não tem preço. E não tem.

Mas quando acontece algo que põe em risco a vida ou mesmo a elimina deste mundo, a proteção social ou a cobertura de riscos através dos seguros são formas supletivas de cobrir os prejuízos materiais e imateriais provocados pela perda.

Estar seguro é estar protegido, mesmo que não saibamos quando é que isso pode acontecer. O ditado “casa roubada, tranca na porta” serve perfeitamente para estas situações em que devemos esperar que haja esta maior ou menos incógnita sobre o momento do acontecimento.

Regime jurídico do contrato de seguro

Apesar de toda a ciência, a medicina ainda não conseguiu reduzir ou eliminar as múltiplas morbilidades do cidadão que tem inadequados hábitos de vida, sobretudo com a alimentação desadequada, com a falta de atividade física ou o descurar dos fatores de bem-estar e de auto-proteção.

Podíamos dizer que há um caminho imenso no desenvolvimento de competências geradoras de maior conhecimento, capacidades e desenvolvimento dos atributos pessoais dos indivíduos para que estes tomem decisões mais acertadas na vida, e promovam estilos de vida mais saudáveis.

Poderíamos até dizer que temos muita informação, o que é verdade, mas que esta per si, não tem força para mudar comportamentos. O certo é que as pessoas acabam por diminuir drasticamente a sua qualidade de vida a partir de uma certa idade. Dados de 2022 indicam que a qualidade de vida decresce significativamente em Portugal depois dos 58 anos. Podemos ter aqui algum fator associado à pandemia que nos assolou por mais de dois anos. Mas estes dados são reais, e exigem reflexões profundas de todos e não apenas dos grupos de iluminados investigadores ou decisores.

E os riscos que existem são o reforço de doenças crónicas incapacitantes (doenças cardiovasculares, diabetes, respiratórias, SIDA) com uma elevação de custos nos cuidados de saúde a nível pessoal e a nível do sistema. Vivemos mais mas sem a qualidade de vida que é expectável. A longevidade não significa qualidade de vida. Temos de recorrer sistematicamente ao apoio à saúde, sobretudo depois dos 65 anos. E se a longevidade nos aponta para os 83 ou 85 anos (homens e mulheres respetivamente) que recursos temos?

Contamos ainda com uma pouco meritória capacidade de investimento na promoção da saúde, seja ela a nível individual ou por parte das políticas públicas ou pelos municípios, estes que recentemente viram transferidas para si (com agrado ou não) um conjunto de competências nas áreas da saúde, envolvendo a própria promoção da saúde.

Restam-nos os dados, que nos fazem por vezes estremecer com o galopante caminho das doenças crónicas, muitas delas provocadas apenas pela incapacidade do ser humano gerir o que come e o movimento corporal que deveria fazer. Há outros desafios naturalmente que se prendem com o tabagismo, o alcoolismo ou as doenças sexualmente transmissíveis, por exemplo e entre outras, que também trazem a doença e a sua cronicidade. Aparentemente simples de resolver, se no momento certo houvesse uma maior auto-regulação dos comportamentos e não o recurso a uma necessidade de gratificação imediata.

Assim os seguros de saúde são necessários para precaver danos ainda mais graves no cidadão que vai construindo a sua vida através dos seus hábitos. Os seguro de saúde surgem no momento em que depois destas decisões e das consequências respetivas, a pessoa consegue encontrar conforto no que ampara no momento de fragilidade: a falta da sua saúde ou de quem dele depende.

Refere expressamente o regime jurídico do contrato de seguro (Decreto-Lei n.º 72/2008) que o seguro tem larga tradição na ordem jurídica portuguesa, sendo que esta intencional reforma por parte do legislador, deu particular atenção à proteção do tomador do seguro (o que paga o prémio) e do segurado – como parte contratual mais débil -, sem descurar a necessária ponderação das empresas de seguros.

Existe assim definida pela própria lei, a “parte mais débil na relação de seguro”. Se no regime jurídico do contrato de seguro encontramos uma tríade entre a: «Parte geral», «Seguro de danos» e «Seguro de pessoas», é o próprio legislador a dizer que é preferível esta divisão do que fazer uma “classificação vigente ao nível comunitário, que contrapõe os seguros dos ramos «vida» e «não vida».”

E é precisamente no seguro de pessoas que se enquadram os seguro de vida, seguro de acidentes pessoais e seguro de saúde.

O tema de “saúde” nos seguros ordena-se ou alinha-se no seguro de pessoas e não no seguro geral ou de danos. Vai assim mais além a sua compreensão. Apesar da cobertura de saúde poder assegurar a reabilitação provocada por danos no corpo (físicos ou imateriais). Mas compreende-se que o legislador desejou proteger o lado menos forte desta balança decisional. E este lado menos forte é sempre a pessoa que paga o seguro ou que é protegida por ele.

Os deveres de informação prévia do segurador ao tomador do seguro estão patentes na lei, e a ponte com a necessária clareza da informação que a literacia em saúde tanto defende em todos os momentos e que fomentam uma melhor compreensão e uso dos recursos (CDC, 2020) também estão presentes nas intenções e boas práticas na área seguradora, onde as competências dos envolvidos estão evidenciadas.

Hoje o mercado global de seguros está a passar por uma transformação digital sem retorno, onde se estruturam modelos de negócios digital-first em que o perfil do cliente é avaliado de forma cirúrgica, com análises muito profundas que determinam com maior facilidade, os fatores de risco, e em que as análises são apoiadas pela inteligência artificial. Bom por um lado, o mundo digital tem um enorme potencial de avanço sobre a aceleração das iniciativas, dos perfis, dos planos de prémios adequados e apoiar os atuários nas reflexões projetivas.

Mas, também teremos de estar atentos no uso desse potencial de análise da Inteligência Artificial, quando por exemplo perguntarmos ao chat GPT quanto vale uma vida? O seguro morreu de velho e a literacia faz sempre bem á saúde.

  • Cristina Vaz de Almeida
  • Presidente da Sociedade Portuguesa de Literacia em Saúde

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