Quem quer ser sexy?

  • Fernando Sobral
  • 1 Fevereiro 2020

Há quem tenha uma estratégia definida, que passa por cavalgar a despolitização reinante e criar um temor colectivo e a impotência individual.

Os líderes políticos portugueses têm a honrosa reputação de nunca entrarem em pânico, excepto em períodos de crise. Entende-se assim a agitação que tem assolado o CDS. Mal refeito da dizimação do seu grupo parlamentar, o partido, sensatamente, procurou encontrar a fonte da eterna juventude. O único general que surgiu com ideias de sobrevivência para a insolvência eleitoral foi o sr. Francisco Rodrigues dos Santos. Para os mais íntimos, o Chicão. Se recuarmos no tempo, quando as selecções portuguesas só tinham vitórias morais, recrutou-se o Filipão, outrora conhecido como sr. Luiz Felipe Scolari. Filipão descobriu a fórmula de transformar talento em vitórias. O sr. Chicão tem a missão de salvar o CDS da irrelevância.

O sr. Rodrigues dos Santos foi entronizado. Mas ainda não desvendou o mistério. Que Direita quer ser o CDS? A liberal, que a Iniciativa Liberal reivindica? A democrata-cristã, das suas origens? A do Chega, embora de uma forma mais “gourmet”? As duas primeiras parecem ter sido riscadas pelo novo líder. Resta pois concorrer com o sr. André Ventura que, com passos audíveis e seguros, vai enchendo a sua carroça de todos os descontentes que encontra pelo caminho, dos ex-CDS aos ex-PCP.

Assim o sr. Rodrigues dos Santos tem uma honrosa e quase impossível tarefa, digna do general Custer e do Sétimo de Cavalaria. Emboscado, que espaço sobra para que o CDS não fique reduzido a pó? O sr. Rodrigues dos Santos parece não ter dúvidas: quer reocupar a Direita. A táctica parece ser clara, como ele o diz: “Seremos um partido sexy, mas não por defendermos os valores que não são nossos, mas por utilizarmos estratégias de comunicação acutilantes, disruptivas e actuais”. Ou seja, as ideias ficam na sombra. O mais importante será a tecnologia das redes sociais e as frases bombásticas com aquilo que os eleitores querem ouvir. O problema é que o sr. André Ventura já faz isso, com o requinte e a elegância conhecida. Quem é mais sexy para os descontentes de direita do regime?

A questão da liderança da Direita não é a de mais ou menos Botox ou de ir, ou não, ao programa da sra. Cristina. Em 1932, António Ferro dizia que faltava a Portugal “um realizador”, um “poeta da acção”, que libertasse o país da sua sonolência. Sabe-se no que deu. O mundo, agora, é outro. Mas se a Direita tem muitos candidatos a “realizador”, o confronto para saber quem a vai liderar está marcada no calendário.

As próximas eleições definirão isso. Não é um acaso o sr. Rodrigues dos Santos ter sido escolhido. O CDS ou renasce ou falece sem sentidas condolências da restante Direita. Mas, para isso, precisa de engolir o Chega e a IL. É preciso estômago de ferro. Sabe-se que não há política sem mitos. Especialmente porque, neste universo de pós-verdades, já não há factos. Só restam expectativas.

No tempo de Corto Maltese existiam aventuras e sonhos. Como os que encontramos em “O dia de Tarowean”, a boa recriação do aventureiro de Hugo Pratt feita por Juan Díaz Canales e Rubén Pellejero, e agora editado. Estamos nas vésperas da I Guerra Mundial e Corto está ciente de que o mundo que lhe permite sonhar pode desaparecer a qualquer momento. Por isso diz: “A aventura consiste em recomeçar sempre, sem jamais olhar para trás”. Verdades e mistificações convivem em Corto Maltese. Como o foi em Shakespeare ou Jorge Luís Borges. Essa era, então, uma aventura bela. Era bom não saber o que era o sonho e o que era a falsidade. Hoje é uma estratégia política, um buraco negro. Medonho.

Há quem tenha uma estratégia definida, que passa por cavalgar a despolitização reinante e criar um temor colectivo e a impotência individual. Por isso a estética ganhou à ética. Não se pergunta: quem quer ser inteligente? Insinua-se: quem deseja ser sexy? É a era do facilitismo e da incultura. O sr. Rodrigues dos Santos é o fruto destes tempos. E, cantando “ai, chega, chega, ó minha agulha, afasta, afasta o meu dedal”, talvez queira transformar o CDS no Chega 2.0. É tarde, porque o sr. André Vendura vem embalado no seu Humvee. Resta saber se se despista ou o CDS é o atropelado.

Sugestão da semana

É da emergência climática que os Pet Shop Boys falam no seu novo CD, “Hotspot”. Mas, nas suas canções, o duo de pop electrónica ciranda também pelas utopias amorosas e pela atracção das pistas de dança. Muito agradável.

  • Fernando Sobral
  • Jornalista

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