Reforma eleitoral já!

Enquanto insistirmos num sistema eleitoral ultrapassado, a democracia continuará a falhar. Os portugueses demonstram que querem participar. Agora cabe aos eleitos fazerem a sua parte

Esta legislatura pode estar vertiginosamente a caminhar para o seu fim. Curta será, com certeza, e, mais uma vez, fica marcada pela incapacidade ou desinteresse em resolver o problema do sistema eleitoral. Os partidos são um elemento vital de qualquer democracia representativa, mas no centro de qualquer regime democrático estarão sempre os votos dos eleitores e a sua vontade expressa através do sufrágio. Assim, compete às instituições ter a capacidade para o melhor aproveitamento possível da escolha expressa de cada eleitor.

Desde a constituição de ’76 que as alterações ao sistema eleitoral foram mínimas e para isso têm beneficiado de uma inércia absoluta tanto das classes dirigentes, como da sociedade civil. A maior prova disso mesmo é a permanência dos círculos eleitorais distritais. Não há razão alguma para que a distribuição seja esta e não outra qualquer. Os distritos são, hoje, o maior anacronismo da política portuguesa. Servem apenas para círculos eleitorais e para associações de futebol. Para um cidadão como eu, que tinha 7 anos aquando do fim dos Governos Civis, são um desenho bizarro, sem qualquer tipo de utilidade prática ou razão para a sua preservação.

Aliás, olhando para as eleições legislativas, creio mesmo que é daqui que vêm as maiores fontes de distorção do modelo. Estou muito longe de ser um especialista na área, sou apenas muito interessado, mas vou dar alguns exemplos para sustentar a minha opinião. Em 2022, 730 mil votos (13% do total) foram desperdiçados. Em Portalegre – distrito com menor população -, que só elege 2 deputados, 52% dos votos não contaram para eleger qualquer deputado. Em Lisboa, foram apenas 3% dos votos, no Porto e em Setúbal foram 6%. Nos distritos com menos população, a escolha prática restringe-se a dois partidos (o Chega pode ter alargado o leque a três), o que por comparação a círculos como Lisboa, Porto, Braga, Setúbal ou Aveiro faz-me acreditar que há cidadãos de primeira e outros de segunda com menos escolha democrática.

No entanto, nada na política é a preto e branco e se, por um lado, estes distritos mais despovoados têm menos escolha, por outro, cada voto eleitor vale mais, porque cada deputado é eleito com menos votos. Em 2024, enquanto em Lisboa o último deputado foi eleito com mais de 24 mil votos, na Madeira, em Portalegre ou em Bragança não foram precisos 15 mil votos para eleger o último deputado. Em Beja, bastaram pouco mais de 12 mil. O sistema é territorialmente muito desigual.

Para além disto, apresenta problemas de representação, em 2022, com pouco mais de 70 mil votos o Livre elegeu 1 deputado e com quase 90 mil o CDS-PP ficou sem representação. Votos concentrados valem mais que dispersos? Não há razão.

É precisa uma reforma, é necessário repensar o sistema. Contudo, devemos ser honestos, este método também tem vantagens: dá força aos partidos e às suas lideranças; durante décadas favoreceu a governabilidade, evitando a proliferação de partidos; e o modelo de círculos regionais/locais tem como intuito privilegiar uma maior representação de todo o país, contrariando o impulso natural de lideranças partidárias fortes de encher as listas com políticos da capital ou da região do líder.

Dito isto, e apesar das virtualidades e vantagens do modelo, acredito que está gasto. A dependência face às lideranças partidárias é excessiva, coartando a liberdade dos eleitos; a governabilidade já não é um dado adquirido, sendo que em 2019 tínhamos 10 partidos com assento parlamentar; e a proliferação e banalização dos ‘paraquedistas’ fez da eleição distribuída um círculo de escolhas e caras nacionais com eleitores locais.

Creio que o repensar do sistema eleitoral deve alicerçar-se em 3 pilares. Primeiro, todos os votos devem contar: ou através de um círculo nacional ou círculos regionais com compensação. Segundo, proporcionalidade que garanta governabilidade: criando um limite mínimo de % de votos para representação parlamentar (a título de exemplo 4% ou 5%), o que favoreceria coligações pré-eleitorais de partidos mais pequenos ou alargaria o voto útil a partidos médios. Em terceiro lugar, uma fórmula de eleição mais personalizada: que garanta relevância das lideranças partidárias, mas proporcione mais responsabilização e liberdade ao deputado.

O que aqui deixo são meras linhas orientadoras. Independentemente de podermos montar um modelo mais próximo do alemão, ou simplesmente do açoriano, creio que se repensarmos o sistema com estes 3 prismas em mente poderemos encontrar uma solução mais interessante para os eleitores. Mais do que um regime semipresidencialista, somos um sistema parlamentar, onde o governo só depende da confiança do parlamento e daí emana. Garantir uma representação capaz e justa é um imperativo das nossas instituições.

É um mito que os portugueses estão desinteressados. Se olharmos para a participação eleitoral nacional (continente e regiões autónomas), excluindo a emigração, percebemos que, nas últimas legislativas, 2/3 dos portugueses foram às urnas. Está na hora de os representar melhor e de encarar esta reforma como um desígnio nacional.

Enquanto insistirmos num sistema eleitoral ultrapassado, a democracia continuará a falhar. Os portugueses demonstram que querem participar. Agora cabe aos eleitos fazerem a sua parte: devolver o poder ao voto e garantir que a democracia não seja apenas um ritual, mas uma verdadeira expressão da vontade popular.

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