Repensar a Proteção Contra Catástrofes Naturais

  • Helena Chaves Anjos
  • 1 Abril 2025

Helena Chaves Anjos estruturou as suas ideias e as de especialistas e conclui por um modelo de resposta pública e privada aos cada vez mais numerosos eventos de catástrofe natural.

O recente sismo em Myanmar, que se propagou até à Tailândia, causando mais de 1.500 vítimas, coloca em evidência a crescente urgência de repensar a cobertura de riscos catastróficos. Este evento, marcado por um primeiro abalo de magnitude 7,7 seguido de outro de magnitude 5,1, tem visto o número de mortos e desaparecidos aumentar à medida que as operações de resgaste se desenrolam.

No seminário organizado pela Associação Portuguesa de Seguradoras (APS) em março de 20251, foram debatidos desafios estruturais e a necessidade urgente de um modelo mais eficaz e sustentável para lidar com os impactos das catástrofes naturais em Portugal. Entre os temas abordados, destacam-se as lacunas de proteção (protection gaps), a dificuldade em tornar certos riscos seguráveis (uninsurability) e a necessidade de modelos híbridos que combinem mecanismos privados e públicos.

A literatura e as experiências internacionais sugerem que as Parcerias Público-Privadas (PPPs) são um mecanismo eficiente para redistribuir riscos (Risk Removal & Risk Redistribution), reduzindo o impacto financeiro sobre o setor segurador e os consumidores. A modelação e o desenho de PPPs bem estruturados permite atender desafios estruturais, mitigar riscos sistémicos e promover um financiamento equilibrado. A discussão internacional sobre a estruturação destas soluções evidencia abordagens distintas entre países.

Estudo Comparativo de Soluções Internacionais

A opinião dos especialistas em Resseguro, é particularmente relevante ao traçar uma análise comparativa das diferentes soluções adotadas por vários países, em particular na Europa e noutras regiões similares:

  • Itália: O país tem um sistema baseado em incentivos fiscais para a contratação de seguros residenciais contra catástrofes naturais. No entanto, a adesão é voluntária, o que resulta numa penetração relativamente baixa do seguro obrigatório, tornando muitas habitações vulneráveis a riscos extremos;
  • Grécia: A cobertura contra catástrofes naturais é limitada e há uma forte dependência do apoio estatal para a reconstrução após desastres. A ausência de um modelo estruturado de partilha de riscos compromete a previsibilidade financeira das compensações;
  • Turquia: Implementação do Turkish Catastrophe Insurance Pool (TCIP), um modelo de PPP que oferece uma cobertura obrigatória para desastres naturais, especialmente sismos. Este fundo é um dos mais citados como referência de um sistema sustentável de financiamento de riscos catastróficos;
  • Espanha: O Consorcio de Compensación de Seguros (CCS) é um modelo híbrido, onde um fundo estatal garante compensações em caso de catástrofes, financiado por um encargo adicional sobre as apólices do setor privado;
  • Estados Unidos: O país adota um modelo misto, combinando programas nacionais, como o National Flood Insurance Program (NFIP), com iniciativas estatais para a cobertura de riscos sísmicos e meteorológicos. Apesar de ser um sistema estabelecido há alguns, enfrenta desafios financeiros, de acordo com o aumento da frequência e severidade dos eventos naturais.

Esta análise evidencia que Portugal necessita de uma estrutura mais robusta e bem definida para gerir riscos catastróficos, promovendo simultaneamente a estabilidade financeira do setor e a proteção dos cidadãos.

Recomendações para Portugal

Portugal tem a oportunidade de definir um modelo inovador e sustentável para a proteção contra riscos catastróficos, aprendendo com as melhores práticas internacionais e adaptando-as ao seu contexto económico e regulatório. A abordagem política deve garantir um equilíbrio entre incentivos ao setor segurador e a necessária intervenção pública para assegurar a proteção dos cidadãos.

Assim, sugere-se:

  • Definição clara do âmbito e limites da cobertura obrigatória para riscos catastróficos, garantindo previsibilidade e estabilidade ao setor segurador;
  • Criação de um modelo de resseguro e partilha de riscos entre setor privado e público, mitigando impactos financeiros de eventos extremos;
  • Implementação de incentivos fiscais e medidas de prevenção para reforçar a resiliência das infraestruturas e reduzir o custo dos sinistros;
  • Desenvolvimento de um fundo nacional de catástrofes, financiado por um encargo moderado sobre as apólices, garantindo liquidez imediata para a recuperação pós-evento;
  • Adoção de mecanismos de supervisão dinâmica, em linha com as diretrizes europeias, para monitorizar a evolução dos riscos e a eficácia das soluções implementadas.

Recomendações contudo a complementar de acordo com estudo oficial da Autoridade de Supervisão do Sector Segurador e dos Fundos de Pensões (ASF), cuja divulgação, atualmente pendente da aprovação do Governo, permitirá uma avaliação técnica detalhada das soluções adequadas para o mercado português.

Implicações para a Gestão de Riscos das Seguradoras

Para o setor segurador, a adoção destas políticas implica desafios operacionais e estratégicos, exigindo um reforço da governação e da capacidade de resposta aos riscos catastróficos.

Entre as principais áreas de impacto, destacam-se:

  • Melhoria da modelização de riscos, utilizando dados avançados para precificação e avaliação mais precisa dos cenários de catástrofes extremas, sujeitos a análises de sensibilidade;
  • Diversificação da exposição, reduzindo concentrações de risco e maior diversificação territorial, e promovendo, em simultâneo, maior estabilidade financeira dos operadores e do setor;
  • Reforço dos mecanismos de resseguro, assegurando a solvência das seguradoras perante eventos de grande magnitude, para os principais desastres de cauda longa – tempestades, sismo, inundações;
  • Adoção de soluções tecnológicas para monitorização e resposta a catástrofes, permitindo uma gestão mais eficiente das carteiras e dos sinistros, ex-ant e ex post, à ocorrência de eventos;
  • Integração de estratégias de mitigação e adaptação climática, em linha com as exigências regulatórias europeias ao nível nacional para garantir adequada e atempada cooperação internacional.

Implicações para a Supervisão e Regulação

No âmbito da supervisão, a adoção de uma abordagem estruturada e nivelada, Ladder Approach proposta pelos supervisores financeiros, exige um reforço da articulação entre o setor privado e as autoridades públicas. Este modelo, baseado em dois pilares – o mercado privado e o financiamento público –, implica:

  • Supervisão da adequação dos modelos de risco, garantindo que as seguradoras adotem modelos robustos de avaliação e gestão de exposições catastróficas de acordo com ferramentas disponibilizadas;
  • Monitorização da sustentabilidade financeira dos mecanismos de partilha de riscos, assegurando que os fundos e reservas estejam adequadamente provisionados para riscos catastróficos, de acordo com requisitos próprios de capital para este módulo;
  • Avaliação contínua das condições de mercado, promover os ajustes regulatórios necessário para evitar distorções competitivas, entre operadores e mesmos setores, garantindo harmonização Europeia;
    Coordenação entre reguladores nacionais e europeus, garantindo alinhamento com as melhores práticas internacionais e promovendo um quadro normativo coerente nacional e Europeu;
  • Promoção de políticas públicas de prevenção e mitigação de riscos, complementando o esforço do setor privado na criação de um ambiente mais resiliente da sociedade e infraestruturas criticas.

Em conclusão, a proteção contra catástrofes naturais é um desafio estrutural que exige uma resposta coordenada entre setor privado e entidades públicas. A adoção de um modelo eficaz de PPP pode garantir uma distribuição mais justa dos riscos, como demonstrado pelo Consorcio de Compensación de Seguros em Espanha, ou pelo exemplo de outros países, aliando a intervenção pública a mecanismos privados, assegurando estabilidade financeira e proteção eficaz contra catástrofes. Em Portugal, um modelo inspirado nestas abordagens deverá equilibrar a resiliência do mercado segurador com a necessidade de mitigação dos impactos económicos para os cidadãos.

Perante a crescente frequência e intensidade dos desastres naturais, a inação não pode ser uma opção. O momento para agir é agora, estabelecendo um modelo robusto e sustentável para o futuro da proteção contra riscos catastróficos em Portugal.

1 Eco seguros APS quer seguro sísmico de habitações obrigatório

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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