Resiliência e Liquidez em Tempos de Incerteza

  • Helena Chaves Anjos
  • 13:44

Helena Chaves Anjos foca os riscos de liquidez e a necessidade de reorientar a estratégia das seguradoras perante volatilidade cambial, flutuações nas taxas de juro e riscos cibernéticos.

Num contexto de volatilidade e incerteza, que marcou o início do ano e persiste, ainda, a meio de 2025, o relatório da EIOPA, Financial Stability Report (FSR)1, publicado em junho de 2025, revela algumas considerações importantes, num momento de elevada incerteza macrofinanceira, com riscos geopolíticos latentes e dinâmicas voláteis nos mercados financeiros internacionais. A autoridade europeia para os seguros e fundos de pensões alerta, de forma clara, para a necessidade de uma vigilância reforçada sobre a exposição das instituições aos riscos de mercado — incluindo volatilidade cambial, flutuações nas taxas de juro e riscos cibernéticos — bem como à crescente interdependência entre os choques geoeconómicos e a estabilidade prudencial.

O setor segurador e os fundos de pensões europeus mantêm uma resiliência estrutural sólida, com níveis adequados de capitalização, mesmo num ambiente global marcado por maior complexidade e incerteza. O relatório da EIOPA sublinha a necessidade de reforçar a vigilância sobre os riscos de mercado, em especial a volatilidade cambial, a oscilação das taxas de juro e os ajustamentos nos mercados acionistas — com impacto direto sobre balanços, capital e estratégias de cobertura. Adicionalmente, destaca-se a exposição crescente a riscos geopolíticos e cibernéticos, cuja interligação pode amplificar vulnerabilidades e comprometer a estabilidade futura. Apesar de uma ligeira correção nos rácios de solvência, o setor segurador mantém-se robusto:

  • Níveis Solvência mantém-se sólidos, apesar do ajustamento moderado dos rácios, em Vida com o rácio do requisitos de capital de solvência (SRC) mediano a descer de 246% (Q4 2023) para 230% e em Não Vida de 217% para 214%, com as empresas mistas a cair de 225% para 216%;
  • Prémios brutos emitidos, e indicadores técnicos positivos, com os fluxos líquidos a recuperarem terreno positivo após ano negativo, com as seguradoras Vida a registar uma aumento de 13,8%, atingindo 758 mil milhões de euros, e as seguradoras Não Vida um aumento de 8,2% face a 2023;
  • Rentabilidade, verifica uma melhoria clara, embora com avisos sobre riscos de correções de mercado, com a rentabilidade dos ativos (ROA) a subir ligeiramente de 0,6% para 0,7% e com a rentabilidade acionista ROE, a subir aproximadamente, de 8,0% para 9,3%;
  • Resseguradoras, verificam um reforço de capital com o SCR mediano a subir de 223% para 235%, embora com exposição relevante a riscos globais e barreiras comerciais;
  • Fundos de Pensões continuam resilientes, com crescimento dos ativos acima das responsabilidades.

A estabilidade do setor é clara, mas o novo ciclo de incerteza exige vigilância contínua, agilidade na resposta e reforço da supervisão prudencial preventiva, sobretudo face à intersecção entre riscos tradicionais e emergentes.

Riscos de Liquidez

O relatório de junho da EIOPA dedica, em particular, duas análise técnicas à liquidez no setor segurador, com foco nos fluxos técnicos e no impacto dos derivados em cenários de stress de taxas de juro. No primeiro caso, salienta-se a recuperação dos fluxos líquidos no ramo Vida em 2024, após um ano negativo, aliviando temporariamente as pressões sobre a liquidez operacional. No entanto, evidencia que, em cenários adversos, a liquidação de obrigações continua a ser um mecanismo central para suprir necessidades de caixa — revelando a importância da qualidade dos ativos detidos e da capacidade de gestão dinâmica das carteiras de ativos.

Mais crítica é a abordagem à segunda análise das chamadas de margem – margin calls – associadas a derivados de taxa de juro, especialmente após o choque registado em março de 2024. Neste episódio, um aumento abrupto de 30 a 40 pontos base nas taxas das obrigações alemãs a 10 anos gerou pressões súbitas de liquidez para um conjunto alargado de seguradoras com posições líquidas recetoras de taxa fixa. Estima-se que, num choque moderado, os pagamentos líquidos de margem tenham ascendido a 9 mil milhões de euros, afetando sobretudo os maiores grupos seguradores. Embora a resposta tenha sido mitigada pelo recurso a ativos líquidos e outras operações, o episódio coloca questões relevantes sobre a robustez dos modelos de gestão de liquidez em contexto de volatilidade.

Reorientação Estratégica

Este episódio recente revela uma vulnerabilidade latente do setor segurador europeu: a dependência de instrumentos derivados para cobertura de riscos de taxa, num quadro prudencial que não contempla requisitos harmonizados de liquidez, ao contrário do que sucede no setor bancário. A supervisão proporcional, essencial, será cada vez mais desafiada por estas dinâmicas financeiras — sobretudo quando se considera a crescente interligação entre riscos de mercado, liquidez e contraparte.

É neste ponto que a análise da EIOPA adquire relevância estratégica. Para as seguradoras de Vida, em especial, que apresentam um desfasamento estrutural entre a duração dos seus passivos e a liquidez imediata dos ativos. A utilização de instrumentos de mitigação de riscos de taxas de juro, (Interest Rate Swaps), via cobertura do diferencial das durações (Duration Gap) é prudente do ponto de vista económico, mas implica obrigações diárias de margem que podem amplificar riscos em ambiente de subida abrupta de taxas. O choque de março de 2024 deve, por isso, ser lido como um alerta institucional: a solidez de capital não é, por si só, garantia de estabilidade operacional em contextos de stress.

Recomendações de estabilidade

Nesse sentido a análise da EIOPA aponta para a necessidade de fortalecer a abordagem macroprudencial no setor segurador, com destaque para três prioridades regulatórias:

  1. Reforço da supervisão da liquidez, incluindo análise de cenários de stress e políticas internas, com foco nos impactos cruzados entre ativos derivados, ativos líquidos e obrigações regulatórias.
  2. Harmonização europeia dos requisitos prudenciais de liquidez, garantindo uma abordagem coerente e transversal face à utilização crescente de instrumentos financeiros mais complexos.
  3. Integração da avaliação de risco geopolítico e cambial nos modelos internos, incluindo simulações de contágio via mercado de derivados e revisão súbita de dos preços dos ativos.

O setor segurador europeu tem demonstrado resiliência e uma disciplina prudencial notável. Contudo os desafios estruturais em torno da liquidez — num contexto de ciclos de política monetária de elevada incerteza e decisões ainda imprevisíveis no resto do ano — exigem uma nova geração de vigilância da governação e supervisão dos riscos financeiros: integrada, preventiva, e atenta à complexidade dos instrumentos utilizados.

Nomeadamente, para antecipar um potencial novo teste ao sistema financeiro, cuja configuração poderá ser, à data, totalmente desconhecida — os riscos “Unknowns”, que exigem não apenas vigilância, mas capacidade de resposta antecipada — como sublinhou a Presidente do BCE no Fórum 2025, realizado nos dias 1 e 2 de julho, em Sintra, Portugal.

1 EIOPA tells insurers and pension funds to remain vigilant about their exposure to geopolitical and macroeconomic risks – 19 June 2025.

  • Helena Chaves Anjos
  • Economista e Mestre em Finanças. Especialista em gestão de risco nos seguros

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