
Segurar o Futuro
Patrícia Azevedo Lopes quer substituir o Direito reativo pelo Direito preventivo na gestão das seguradoras, chamando a atenção para o valorizar da função de compliance como fator decisivo.
No atual contexto regulatório e reputacional em que operam as empresas de seguros, a função-chave de cumprimento transcende o seu papel técnico-jurídico tradicional e afirma-se como um verdadeiro exercício de direito preventivo. Longe de ser uma mera caixa de verificação regulatória imposta por Solvência II, esta função é, ou deve ser, um pilar da boa governação e da proteção da confiança dos stakeholders.
A Diretiva de Solvência II institui a função de conformidade (ou compliance) como uma das quatro funções-chave do sistema de governação das empresas de seguros. A sua missão essencial consiste em assegurar o cumprimento das normas aplicáveis, sejam legais, regulamentares ou internas, e em promover uma cultura de integridade e legalidade. Contudo, é a dimensão estratégica da função de cumprimento que tende a ser subvalorizada.
A função de cumprimento atua como linha de defesa preventiva, antecipando riscos legais e reputacionais, detetando vulnerabilidades no sistema de controlo interno e aconselhando ativamente os órgãos de gestão sobre decisões de potencial impacto regulatório. É, pois, um instrumento de mitigação de risco que opera a montante da ocorrência de irregularidades.
O Supremo Tribunal de Justiça considerou que, ao não atuar de forma diligente e transparente, uma seguradora violou os deveres acessórios de conduta, resultando na obrigação de indemnizar o segurado pelos danos causados. Este caso destaca como a ausência de uma função de cumprimento eficaz pode levar a consequências legais e financeiras significativas para a empresa.
A expressão “direito preventivo” descreve bem o papel moderno da função de cumprimento: não se limita a interpretar normas, mas aplica o direito com o objetivo de evitar conflitos, sanções e danos reputacionais. Esta é uma mudança de paradigma, passando do direito reativo, que se mobiliza depois da infração, para o direito preventivo, que orienta condutas e decisões com base no risco de incumprimento.
Num setor como o segurador, onde a confiança é o ativo intangível mais precioso, esta abordagem ganha especial relevância. O cumprimento efetivo evita multas, mas, mais do que isso, salvaguarda a continuidade do negócio e a reputação institucional, especialmente num ecossistema cada vez mais escrutinado por reguladores/supervisores, investidores, consumidores e media.
Para que esta missão preventiva seja eficaz, é essencial garantir independência funcional, acesso direto aos órgãos de administração e fiscalização e recursos adequados em número, qualificação e autonomia. A nomeação de um responsável com conhecimento jurídico, sensibilidade ética e visão de negócio é igualmente determinante.
Além disso, a função de cumprimento deve estar integrada nas grandes decisões estratégicas: novos produtos, canais digitais, parcerias, operações de M&A. A sua presença precoce evita surpresas tardias.
O cumprimento não é uma função decorativa. É um ativo estratégico que reforça a solidez do modelo de governação, a confiança do mercado e a resiliência organizacional. A função-chave de cumprimento, enquanto expressão do direito preventivo, deve ser promovida por uma cultura corporativa que valorize a ética e a legalidade e essa cultura começa no topo.
Um exemplo ilustrativo da importância da função de cumprimento é o caso em que uma seguradora atrasou injustificadamente a realização da prestação convencionada. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ) considerou que, ao não atuar de forma diligente e transparente, a seguradora violou os deveres acessórios de conduta, resultando na obrigação de indemnizar o segurado pelos danos causados. Este caso destaca como a ausência de uma função de cumprimento eficaz pode levar a consequências legais e financeiras significativas para a empresa.
No contexto das empresas seguradoras, os deveres acessórios de conduta são particularmente relevantes. Por exemplo, uma seguradora que, embora cumprindo formalmente as cláusulas contratuais, adote uma postura dilatória ou omissiva na gestão de um sinistro, pode estar a violar os deveres de lealdade e informação, prejudicando o segurado. Tais comportamentos podem ser considerados ilícitos e gerar o dever de indemnizar.
Assim, a função de cumprimento (compliance) nas seguradoras deve assegurar não apenas o cumprimento das obrigações contratuais expressas, mas também a observância rigorosa dos deveres acessórios de conduta, promovendo uma atuação ética e responsável que fortaleça a confiança dos clientes e a integridade do setor.
Num setor que gere riscos para terceiros, ignorar os próprios riscos legais e éticos é, no mínimo, incoerente. Cultivar o cumprimento é, afinal, segurar o futuro!
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