
Seguro, Resiliente e em Transformação: Uma Visão Estratégica do Setor
Helena Chaves Anjos em análise detalhada às contas do setor segurador. O enquadramento macroeconómico, realidade atual e ameaças potenciais reveladas em ano aparentemente positivo.
Num contexto económico marcado por incerteza e mudança, o setor segurador mantém-se resiliente, enquanto se adapta a novas exigências regulatórias, tecnológicas e climáticas. O mais recente Relatório de Estabilidade Financeira (REF), da Autoridade de Supervisão de Seguros e Fundos de Pensões (ASF)1, de março de 2025, publicado no passado dia 7 de Maio, apresenta uma visão transversal da avaliação do setor, no que respeita aos desenvolvimentos mais recentes e aos principais riscos que desafiam o mercado português. Em termos de enquadramento macroeconómico, ao nível global, prevê-se um crescimento económico de 2,8% em 2025, e 3% em 2026 (FMI, Abril 2025).
Portugal apresenta um desempenho positivo (Banco de Portugal, Março 2025), com uma previsão de crescimento de 2,3% em 2025 (2,1% em 2026), acima da média da área do euro (0,9% em 2025, e de 1,2% em 2026 BCE, Março 2025), com uma inflação controlada (2,3% e 2% em 2025 e em 2026) e taxa de desemprego estável (6,4% no triénio).
Este contexto macroeconómico relativamente favorável, em Portugal, é acompanhado por uma melhoria dos indicadores orçamentais e da credibilidade financeira nacional, bem como pela normalização da política monetária na zona Euro. Nos mercados financeiros, o último ano de 2024, foi marcado por recuperação acionista, seguida de volatilidade nos primeiros meses de 2025, decorrente das incertezas, fruto das tensões comerciais. As yields da dívida soberana portuguesa mantêm uma trajetória descendente, convergindo para níveis centrais da zona euro, impulsionadas por revisões de rating positivas e estabilidade fiscal. Os custos de
financiamento das empresas mantêm-se sob controlo, refletindo um enquadramento favorável para a gestão
das carteiras.
Visão sobre Riscos Conjunturais e Estruturais
O relatório sinaliza um conjunto de riscos emergentes que exigem, no entanto, um acompanhamento prudente: como a inflação persistente, as tensões geopolíticas, as alterações climáticas, a transição energética e a ciber-segurança. O risco soberano e a consequente valorização das responsabilidades das empresas de seguros destacam-se como fatores críticos, em particular, num contexto de subida das taxas de juro reais e reavaliação dos ativos.
Em termos de desafios de sustentabilidade, o setor apresentou uma exposição a ativos com classificação ambiental positiva a aumentar nos últimos trimestres, mas permanece significativa a proporção de carteiras sem rating adequado de avaliação das finanças sustentáveis. Esta lacuna limita a plena integração da sustentabilidade na supervisão prudencial e na alocação eficiente do capital. Sendo, como tal, necessário reforçar a qualidade e cobertura da informação não financeira no setor segurador, em Portugal.
Performance da Atividade do Setor Segurador
- A carteira de investimentos das seguradoras atingiu 52 mil milhões de euros, com predominância de dívida pública (42%) e privada (32%) excluindo-se os contratos unit-linked. Nestes, os fundos de investimento mobiliários lideram a alocação das carteiras (54%). A qualidade creditícia global deteriorou-se ligeiramente e com a duração das obrigações, igualmente, ajustada em baixa;
- A evolução da produção do ramo Vida apresentou um crescimento de 34% em 2024, com uma forte recuperação nos produtos não ligados e nas entregas em produtos unit-linked. Os resgates diminuíram significativamente em 24,9% nos seguros não ligados, mantendo um crescimento, nos ligados, ao aumentar em 15,3%. Os planos de poupança reforma (PPR) mantêm impacto residual na variação.
- No ramo Não Vida, o crescimento da produção foi transversal às principais linhas, mantendo-se a estabilidade (+11%), com a sinistralidade global a 59,7%. A produção nos seguros de saúde continua a destacar-se. O ramo automóvel apresenta maior estabilidade, os acidentes de trabalho registam ligeiro agravamento da sinistralidade, os seguros multirriscos crescem com aumento de custos, e a saúde evidencia maior pressão nos encargos. A consistência dos rácios técnicos mantém-se dentro dos limites.
A salientar a performance do ramo Vida e Não-vida, a evidenciar uma recuperação da evolução da atividade
seguradora em linha com a recuperação da economia, em Portugal, de acordo com elevada correlação entre ambas, retomando os níveis de produção e normalizando os custos, em Vida, com Não-vida, mais estável.
Posição de Solvência e níveis de Rentabilidade
Os mais recentes indicadores apontam para uma ligeira deterioração dos rácios de cobertura da solvabilidade no último trimestre de 2024, ainda que em níveis confortáveis face aos requisitos regulatórios.
- Requisito de capital de solvência desceu de 217,1% para 207% em dezembro de 2024, interrompendo
a trajetória ascendente observada em trimestres anteriores; - Requisito de capital mínimo recuou de 570,8% para 545%, sinalizando uma pressão marginal sobre o
capital disponível.
A distribuição dos rácios entre operadores revela, contudo, alguma dispersão apesar da maioria confortável acima de 200%. A evolução trimestral dos rácios globais mostra uma estabilidade relativa, com tendência de ajuste prudencial por parte das entidades. A dispersão dos rácios individuais entre operadores evidencia a necessidade de monitorização diferenciada, com alguns perfis a exigirem uma maior atenção no atual contexto de reavaliação dos ativos e potencial aumento da duração das responsabilidades técnicas, com a normalização da politica monetária, e convergências das taxas de juro ao equilíbrio natural e taxa de inflação ao objetivo. A relação entre ativos e passivos mantém-se estável, o que revela um equilíbrio técnico ainda sólido, mas sujeito a desafios no caso do ciclo financeiro se tornar mais adverso. A rentabilidade do setor apresenta, assim, sinais de recuperação sustentada, apesar das nuances entre operadores e negócios.
- A rentabilidade dos capitais próprios registou uma subida generalizada, especialmente no ramo Vida, impulsionada por ganhos de capital associados à valorização dos ativos financeiros e recuperação da produção. O desempenho reflete uma melhor eficiência de gestão com menor pressão nos resultados técnicos, após anos marcados por ajustamentos prudenciais e volatilidade financeira;
- A rentabilidade líquida dos investimentos melhorou de forma significativa, beneficiando da normalização progressiva das taxas de juro e da revalorização dos mercados obrigacionista e acionista. O reequilíbrio entre obrigações e fundos de investimento permitiu ganhos de estabilidade e rendimento, nas carteiras unit-linked. Ainda assim, a exposição residual a ativos com maior risco de crédito e deterioração da qualidade média sugerem que parte da melhoria pode ser conjuntural;
- A composição dos resultados líquidos evidencia a predominância do ramo Vida no contributo para os lucros agregados do setor. Este desempenho foi reforçado pela redução dos resgates nos produtos
não ligados e pela maior atratividade dos produtos unit-linked, que beneficiaram da recuperação dos mercados. O ramo Não Vida, embora com crescimento na produção, enfrenta a pressão dos rácios de sinistralidade, o que limitou o impacto positivo nos resultados líquidos totais.
No conjunto, os sinais de melhoria da rentabilidade são consistentes com a recuperação macroeconómica, mas permanecem vulneráveis a choques exógenos nos mercados financeiros e à persistência de pressões inflação e taxas de juro, respetivamente, nos custos com sinistros e provisões técnicas, como evidenciado no recuo da posição de solvência, pela redução dos rácio de solvabilidade.
Tendências e Desafios Estratégicos para o Setor Segurador
A leitura estratégica e integrada da performance do setor segurador, em Portugal, revela a importância de reforçar a resiliência das empresas de seguros, na governação e supervisão de riscos emergentes, face a choques externos (ou internos) e de continuar a alinhar os modelos de negócio quer com os desafios de curto e médio prazo quer com os desafios de longo prazo, de digitalização, sustentabilidade, e envelhecimento demográfico. Nomeadamente, reforço da posição de solvência e capital.
O setor segurador detém um papel crescente na transição para uma economia mais sustentável, mais digital e mais centrada na proteção de longo prazo. A capacidade de adaptação, com base numa supervisão humana e estratégica dos riscos complexos é determinante para manter a confiança dos clientes, investidores e reguladores. Este contexto exigirá novas abordagens, melhor capacidade analítica e um compromisso reforçado com a transparência, inovação e visão de futuro para um setor em transformação.
1 ASF, Relatório de Estabilidade Financeira do Setor Segurador e dos Fundos de Pensões – Março de 2025, 7 Maio 2025, com referência à posição dos operadores no terceiro trimestre de 2024 ou no final do ano 2024, quando disponível, e às variáveis económicas e financeiras atualizadas no primeiro trimestre de 2025.
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Seguro, Resiliente e em Transformação: Uma Visão Estratégica do Setor
{{ noCommentsLabel }}