
Seguros sobre pressão climática
António Rito Batalha está muito atento à forma como o setor segurador responde a uma nova realidade que determinará não só a sua sustentabilidade, mas também a sua relevância no futuro.
O planeta aquece e, com ele, cresce o desafio para as economias, para a sociedade e, em particular, para o setor segurador. A frequência e severidade dos fenómenos meteorológicos extremos — desde vagas de calor prolongadas a episódios de precipitação intensa e vento destruidor — são sinais claros de uma nova normalidade que ameaça corroer valor económico, comprometer infraestruturas e pressionar os limites da capacidade seguradora.
Entre os vários contributos recentes para a compreensão desta realidade, destaca-se o recente trabalho publicado pela NASA, que analisou as alterações no ciclo da água no período de 2002 a 2024. Através de dados por satélite, identificou-se uma tendência clara: secas e inundações estão a tornar-se mais extremas e persistentes. A intensificação destes fenómenos resulta da maior capacidade da atmosfera para reter humidade devido ao aumento das temperaturas globais, provocando desequilíbrios regionais cada vez mais difíceis de prever. A visualização divulgada pela NASA mostra um planeta em transformação, com regiões cada vez mais expostas à escassez ou ao excesso de água.
Em paralelo, o mais recente relatório da Allianz Research1oferece uma leitura económica específica do impacto das alterações climáticas: as ondas de calor que marcaram o início do verão de 2025 deverão reduzir o crescimento do PIB europeu em cerca de 0,5 pontos percentuais, com impactos particularmente severos nos países do sul. Espanha poderá registar uma quebra de até 1,4 pp, e Itália de 1,2 pp, essencialmente devido à perda de produtividade nos setores mais expostos às temperaturas elevadas. Um dado sintomático: cada dia com temperaturas superiores a 32 °C equivale, em termos económicos, a meio dia de paralisação laboral.
Este impacto direto sobre a economia real tem consequências evidentes para o setor segurador. Para além do aumento da sinistralidade associada a danos em infraestruturas, incêndios ou perdas agrícolas, verifica-se também uma maior exposição ao risco sistémico — à medida que fenómenos meteorológicos afetam simultaneamente múltiplas geografias e cadeias de valor.
Mas os impactos vão muito além da economia. A vaga de calor já provocou vítimas mortais e acendeu alarmes em vários setores: escolas encerradas, limitações ao funcionamento de centrais nucleares, aumento do risco de incêndios florestais e pressão acrescida sobre os serviços de saúde. Esta realidade torna-se, assim, uma preocupação direta para o setor dos seguros, que enfrenta uma equação cada vez mais complexa entre risco, cobertura e viabilidade económica.
Este quadro é ainda reforçado por outro tipo de evento extremo: a recente tempestade que atravessou Paris e região no final de junho2. Ventos superiores a 110 km/h provocaram quedas de árvores, inundações em infraestruturas subterrâneas e danos importantes em equipamentos urbanos. Este episódio evidencia que o risco climático não se manifesta apenas sob a forma de calor ou seca, mas também de instabilidade atmosférica repentina — com custos de reparação significativos e impacto na mobilidade, no comércio e na operação de serviços públicos.
Face a este cenário, a capacidade de adaptação do setor é determinante. Algumas estratégias já estão em curso:
- Integração dos riscos climáticos nos modelos atuariais, com incorporação de cenários extremos baseados em projeções científicas;
- Promover inovação nos produtos: os seguros paramétricos — que se ativam automaticamente mediante condições climáticas pré-definidas — oferecem uma via promissora, sobretudo para riscos agrícolas, empresariais ou municipais;
- Contribuir para a resiliência dos segurados: a mitigação não se esgota na cobertura financeira. Incentivos à adaptação — como sistemas de ventilação, coberturas verdes ou redes de drenagem urbana — devem ser integrados na relação segurador-segurado.
O papel do seguro ultrapassa, assim, o mero ressarcimento de prejuízos. Trata-se de um instrumento social e económico de estabilização, cuja eficácia depende cada vez mais da sua capacidade de antecipar, de adaptar-se e de dialogar com a ciência e com os decisores públicos. O diálogo entre conhecimento científico — como o da NASA — e análise económica — como a da Allianz — oferece as bases para uma abordagem mais informada e orientada para soluções.
O risco climático não é apenas ambiental. É económico, social e estratégico. E a forma como o setor segurador responderá a esta realidade determinará não só a sua sustentabilidade, mas também a sua relevância nos anos que se avizinham.
1 https://www.allianz.com/content/dam/onemarketing/azcom/Allianz_com/economic-research/publications/specials/en/2025/july/20250701_Heatwaves_EconImplications.pdf
Assine o ECO Premium
No momento em que a informação é mais importante do que nunca, apoie o jornalismo independente e rigoroso.
De que forma? Assine o ECO Premium e tenha acesso a notícias exclusivas, à opinião que conta, às reportagens e especiais que mostram o outro lado da história.
Esta assinatura é uma forma de apoiar o ECO e os seus jornalistas. A nossa contrapartida é o jornalismo independente, rigoroso e credível.
Comentários ({{ total }})
Seguros sobre pressão climática
{{ noCommentsLabel }}