Silicon Valley e os excessos da política monetária
O encerramento do SVB, a elevada taxa de inflação e a perda de poder de compra das famílias confirmam que políticas de curto prazo dão sempre mau resultado.
Esta semana voltou o pânico. Um grande banco, um dos vinte maiores dos Estados Unidos, foi encerrado, e as bolsas caíram. Há quem tema o pior, o regresso a 2008 ou até a 1929, e este medo foi ainda agravado pelo encerramento de outros dois bancos de menor dimensão e os problemas do Credit Suisse.
Porque é que isto aconteceu? Antes de mais é preciso perceber porque é que o Silicon Valley Bank (SVB) “caiu”. A razão directa foi a falta de liquidez para responder à repentina “corrida aos depósitos” pelos seus clientes, particulares e empresas.
Contudo, nenhum banco, nem os maiores ou os mais robustos, têm disponível em permanência a liquidez suficiente para responder a uma “corrida aos depósitos”. Acresce que, no final de 2022, o SVB tinha um rácio de capitais próprios “tier-1” superior a 12%, um dos melhores entre os grandes bancos dos EUA.
A questão relevante é então porque é que os depositantes quiseram retirar o dinheiro do SVB e não dos restantes bancos? O SVB foi encerrado pela autoridade monetária após ter anunciado que iria vender uma significativa quantidade de títulos e outros activos para poder realizar liquidez e responder de imediato à retirada de depósitos. O problema foi que a venda de activos iria ser feita com perdas significativas face ao seu custo de aquisição, o que reduziria substancialmente os capitais próprios do SVB.
Apesar do rácio de capital do SVB ser um dos maiores, as perdas potenciais associadas à detenção de activos era de longe a maior entre os grandes bancos norte-americanos. Segundo os cálculos do JPMorgan, o valor das perdas potenciais do SVB seria similar ao valor do seu capital próprio “tier-1” enquanto os restantes bancos tinham perdas potenciais muito menores em termos proporcionais.
Ou seja, quando o banco californiano começou a vender activos com grande rapidez para conseguir liquidez, as perdas potenciais tornaram-se reais e o risco de o capital próprio desaparecer tornou-se evidente, levando a Moody’s a baixar o seu rating. Por isso, a autoridade foi obrigada a antecipar o problema e a encerrar o banco.
As duas questões relevantes para o encerramento do banco são, por isso, porque é que o SVB acumulou tantos activos sujeitos ao risco de subida das taxas de juro? E porque é que esse risco se materializou?
A partir destas questões percebe-se que há dois responsáveis principais:
- Em primeiro lugar os gestores do banco, que não o souberam gerir pois acumularam demasiados activos que não podiam vender de imediato e por isso estavam sujeitos a risco de taxa de juro.
- Em segundo, os governos e os decisores políticos que pressionaram e implementaram políticas económicas irresponsáveis que incentivaram a compra dos activos com risco de taxa de juro e conduziram ao crescimento da inflação e, por essa via, das mesmas taxas de juro que causaram o encerramento do SVB.
O SVB financiava essencialmente empresas novas e “start-ups” com projectos de elevado risco, mas com potencial de crescimento rápido, e por isso o banco apenas aplicava 35% dos seus activos em empréstimos bancários (onde, aparentemente, não havia problemas significativos de pagamento).
O erro dos gestores do banco foi terem 43% do total dos activos em títulos que seria suposto manterem em carteira até à sua maturidade. A sua detenção revelou-se um problema porque ao serem adquiridos a um valor elevado numa altura em que as taxas de juro estavam muito baixas por causa da política monetária excessivamente expansionista, tornou-se impossível vendê-los sem prejuízo à medida que as taxas de juro subiram e a sua cotação baixou.
Algumas notícias referem que os seus gestores não teriam experiência bancária, mas que foram nomeados para aplicarem critérios ESG, tendo efectivamente anunciado há poucos meses que iriam apostar em “financiamento sustentável e operações neutras em carbono para apoiar um planeta mais saudável”. Ao colocarem os discursos políticos à frente da gestão do risco do banco, os gestores forem merecidamente despedidos.
Mas a imprensa e os comentadores equivocaram-se quando começaram a repetir o que muitos gostam de ouvir: lá estão outra vez os “malvados” banqueiros. O erro não foi só dos gestores do SVB, mas também dos governos e dos gestores dos bancos centrais responsáveis pela política monetária. Foram estes que criaram todo o contexto que levou à falência do banco. A detenção destes títulos explica-se em parte pelo facto de serem considerados pelos bancos centrais como de baixo risco (por exemplo, os títulos de dívida pública) e, por isso, terem pouco peso no cálculo dos rácios de solidez financeira. Além disso, no âmbito do “quantitative easing” os bancos centrais incentivaram a detenção destes títulos para facilitar a gestão das elevadas dividas públicas pelos governos e para que fossem usados como colateral no acesso às suas linhas de financiamento.
Por tudo isto, não deixa de ser caricato que a causa principal do encerramento do SVB, activos sujeitos a risco de subida das taxas de juro, tenha sido provocada por quem incentivou a sua compra e, ao mesmo tempo, fez subir as taxas de juro. Note-se que se as taxas de juro não tivessem subido o SVB não teria problemas com os depositantes nem com a venda de activos.
Porque é que o risco de subida das taxas de juro se materializou? Por causa do aumento da taxa de inflação. E de quem é a responsabilidade da subida da taxa de inflação? Há dois responsáveis principais:
- Os governos, que pressionaram continuamente os bancos centrais para que aumentassem a massa monetária de modo a garantir a continuidade das taxas de juro baixas para renovarem as suas dívidas, criando um aumento ilusório do poder de compra e de investimento das famílias e das empresas.
- Os bancos centrais, que não souberam resistir a esta pressão, falharam durante anos seguidos no seu objectivo de alcançar uma taxa de inflação próxima dos 2% (a guerra da Ucrânia só se iniciou quando os preços já estavam a crescer há mais de 6 meses e veio agravar um problema que já existia, não veio criar um problema novo) e optaram por ignorar a regra de Milton Friedman de que a inflação é, essencialmente, um fenómeno monetário associado ao aumento demasiado rápido (face ao ritmo de crescimento económico) da massa monetária.
O gráfico a seguir, com dados do Banco Central Europeu, mostra a evolução da massa monetária na zona Euro, que é similar à que se verificou nos Estados Unidos. Veja-se o crescimento impressionante em 2020, de 12%, quando a quase totalidade das economias do Euro registou um crescimento económico negativo e, por isso, a quantidade de dinheiro em circulação necessária face à evolução da economia era substancialmente menor do que a que realmente se verificou (e agravando um problema que já se acumulava desde 2015).
O que o SVB mostra é que não são só os consumidores que são prejudicados com a subida da inflação, como vemos nos supermercados ou no recorde da receita do Estado em % do PIB. As empresas também são prejudicadas pelo aumento das falências.
O encerramento do SVB, a elevada taxa de inflação e a perda de poder de compra das famílias confirmam que políticas de curto prazo baseadas no “facilitismo” da intervenção publica que alguns governos defendem sistematicamente (e voltaram a defender esta semana) e que alguns bancos centrais implementam dão sempre mau resultado. Quando não há uma perspectiva responsável de prosperidade a longo prazo, os excessos da política monetária tornam-se, mais cedo ou mais tarde, demasiado evidentes.
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