Subir os salários apostando nas transições verde e digital

  • João Galamba
  • 30 Agosto 2024

As transições verde e digital são, por via direta e indireta, as formas mais eficazes para consolidar e acelerar o processo (em curso) de subida geral e sustentável dos salários.

É um facto: os salários em Portugal são baixos. Mas o problema salarial do país não resulta nem da espoliação por patrões, tese hegemónica nos partidos mais à esquerda do PS, nem de uma espoliação análoga, defendida pela Iniciativa Liberal, agora envolvendo um Estado confiscador. Não resulta nem de uma nem de outra, porque o défice salarial não é o corolário de uma qualquer exploração resultante de uma disputa redistributiva ainda por concluir; é, em grande medida, o resultado de um défice produtivo e de produtividade ainda por ultrapassar, de um défice de valor acrescentado na economia portuguesa, que limita o rendimento nacional, que inclui, como é evidente, os salários.

Se queremos, mesmo, transformar o panorama salarial em Portugal, então temos de produzir coisas diferentes, ou melhor, temos de assegurar que certos setores e certos produtos têm um peso maior na economia nacional. Temos de assegurar uma transformação estrutural da nossa estrutura produtiva, que capacite e qualifique estruturalmente o país, incluindo nessa transformação a capacidade de pagar salários mais elevados.

Isto requer investir em qualificações, como é evidente, porque Portugal comparava pessimamente com os seus parceiros, em particular com os do Leste europeu. Com políticas e investimento continuados desde meados dos anos 90, o problema de fluxo está, grosso modo, resolvido, embora o de stock, resultado de décadas de atraso nas qualificações do capital humano nacional, ainda não esteja. Mas, ultrapassar o défice de qualificações, sendo condição necessária para a transformação estrutural da nossa economia, é manifestamente insuficiente: um país de gente crescentemente qualificada, mas sem oportunidades adequadas para fazer valer essas novas qualificações, torna-se um exportador estrutural de mão-de-obra, por manifesta incapacidade de reter e/ou atrair gente qualificada. Importa, pois, garantir que essas oportunidades existem, são abundantes e variadas.

A boa notícia é que isto, em maior ou menor grau, também está a acontecer, nomeadamente nas áreas relacionadas com as transições verde e digital, nas quais Portugal, por razões várias, tem grandes vantagens competitivas e, portanto, significativas oportunidades de ter uma economia com maior valor acrescentado. Estas oportunidades incluem, à cabeça, a valorização dos salários. Variação direta dos salários, porque há mais gente a trabalhar nas áreas relacionadas com as transições verde e digital, e valorização indireta, porque todas as outras atividades têm de pagar melhor para continuarem a contratar pessoas em Portugal.

O que nos diz o INE? Diz-nos, por exemplo, que agricultura e turismo pagam mal e têm os salários mais baixos do país e que as atividades relacionadas com a eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio, isto é, o sector da energia, são as que pagam salários mais elevados, com salário médio superior a 3500 euros por mês, mais do dobro da média nacional. Seguros e Banca também pagam bem, mas a subida deve-se mais a reestruturações e à forte redução do número de trabalhadores que ocorreu nos últimos 10 anos do que propriamente a uma grande dinâmica de crescimento do setor – o exato oposto do que se tem passado na área da energia.

João Galamba

Olhemos para os dados recentemente publicados pelo Instituto Nacional de Estatística (INE) sobre remunerações. O que nos diz o INE? Diz-nos, por exemplo, que agricultura e turismo pagam mal e têm os salários mais baixos do país e que as atividades relacionadas com a eletricidade, gás, vapor, água quente e fria e ar frio, isto é, o sector da energia, são as que pagam salários mais elevados, com salário médio superior a 3500 euros por mês, mais do dobro da média nacional. Seguros e Banca também pagam bem, mas a subida deve-se mais a reestruturações e à forte redução do número de trabalhadores que ocorreu nos últimos 10 anos do que propriamente a uma grande dinâmica de crescimento do setor – o exato oposto do que se tem passado na área da energia.

Importa, também, olhar para os salários na indústria transformadora, que são relativamente baixos, estando abaixo da média nacional. Isto resulta, em grande medida, de termos uma indústria com um padrão de especialização em produtos de baixo valor acrescentado. Temos assistido a uma mudança, com a subida na cadeia de valor de alguns produtos de sectores tradicionais, como têxteis e calçado, e com o aparecimento de novos produtos, nomeadamente ligados à indústria automóvel e a setores com maior incorporação tecnológica. Mas não chega. As oportunidades para acelerar esta mudança, associadas às transições verde e digital, são significativas, seja porque permitem aumentar a produtividades dos setores existentes, nomeadamente reduzindo os custos energéticos (em particular face a outros países europeus), seja porque permitem atrair novos setores industriais, tecnologicamente avançados, que produzem novos produtos e tendem a pagar salários, relativamente, mais elevados.

Olhando para o panorama geral e para a evolução que temos assistido, a conclusão parece evidente: As transições verde e digital não representam apenas oportunidades de investimento e crescimento económico; ambas são, por via direta e indireta, as formas mais eficazes para consolidar e acelerar o processo (em curso) de subida geral e sustentável dos salários.

Se queremos falar de rendimentos, falemos primeiro de economia e de política económica. Tendo as prioridades nesse campo bem definidas, torna-se mais fácil definir uma política de rendimentos abrangente, consequente e plurianual, porque assente numa realidade económica concreta e em transformação que, em simultâneo, as viabiliza e que delas necessita.

Subidas consistentes e continuadas do salário mínimo; negociações salariais transversais e ambiciosas, válidas para toda a economia; e uma política fiscal interanual, que permita uma descida consistente e continuada dos impostos sobre o rendimento, alinhando o nosso IRS com os restantes países europeus. São estes os vértices de um acordo de rendimentos abrangente, sobre salários e impostos sobre o rendimento. Mas tal só será possível com o país alinhado e comprometido com uma estratégia económica firme e consistente em torno das transições verde e digital.

  • João Galamba
  • Economista e ex-secretário de Estado de Energia

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