Também é preciso elogiar (quando se faz bem)

Estamos viciados na crítica e no passa-culpas. O caso do helicóptero do INEM mostra que, quando nos esquecemos dos elogios, a nossa próxima crítica nunca será ouvida.

1.
A sequência é aterrorizadora. Pedrógão, Tancos, incêndios outra vez, Borba… O pressuposto de hoje é que o Estado está mais frágil, não responde à altura, falha vezes demais. O que é fácil é seguir o guião que se tornou banal, tantas vezes com razão: pôr em causa, sublinhar as falhas, atirar as culpas. A sequência acaba com toda a gente a dizer em uníssono, com o mesmo tom grave de sempre: “O Estado falhou”. Ponto de exclamação.

Quando acontece o que aconteceu no último fim de semana, é de pressupor que se siga, portanto, o guião. O helicóptero do INEM caiu. Houve telefonemas de um lado para o outro, as buscas atrasaram-se. E lá foi Marcelo tirar a conclusão, que já estava espelhada em muitos comentários e em algumas notícias: “O Estado falhou”.

Ferido pelas polémicas recentes, o Governo também começou por repetir um erro antigo. Pediu uma investigação urgente, antes que a culpa caísse sobre a sua insensibilidade. A resposta chegou-lhe em dois dias: a NAV falhou duas vezes, o 112 falhou outras duas. Quem ficou de fora foi a Proteção Civil. Quem fez o relatório foi… a Proteção Civil.

Parecia uma repetição do “passa culpas” que vimos em Pedrógão: nesses dias, Costa pediu auditorias a cada um dos serviços envolvidos e cada um deles culpou o vizinho do lado. Foi preciso uma comissão independente e, depois, o Ministério Público, para nos dizer que houve dolo em toda a escala – e acabar com uma guerra dentro do Estado que, prejudicando-nos a todos, foi alimentada em plena época de combate aos incêndios.

2.
A cadência das tragédias, a manifesta impossibilidade de o Estado investir o que era preciso e, sobretudo, a tentação dos políticos de se protegerem, fez com que se repetisse a sequência das críticas, não pesando as escalas dos problemas, não medindo as dimensões dos erros.

Há mais de 14 anos metida numa crise, desde sempre toldada pelo pessimismo, a sociedade portuguesa viciou-se na crítica e no passa culpas. Demasiadas vezes com razão. Mas sem abrir os olhos à exceção.

Neste fim de semana, esse discurso repetiu-se. Mas acontece que, neste caso, o Estado falhou menos – e o que falhou não teve consequências. Houve confusão e atrasos dentro do sistema de resgate, sim, mas ninguém parece ter ficado parado. Houve desde cedo buscas no terreno, houve reação aos sinais de alerta que existiram. Verdade que houve descoordenação, mas sem consequências que pudessem evitar o pior. Porque tudo indica que naquele voo ninguém sobreviveu ao momento da queda.

E é preciso dizer tudo. E aqui dizer tudo é afirmar, também, que o Governo parece ter aprendido com os seus erros. Antes que os ditos culpados apontassem o dedo à Proteção Civil, António Costa decidiu nomear uma equipa e pedir ao Conselho Superior de Magistratura que indicasse um presidente para a investigação – independente, como devia ser sempre. Assim sendo, evitou nova guerra e abriu caminho à verdade que sempre chegaria.

Se queremos ser justos, temos mesmo que olhar caso a caso: nem sempre tudo é péssimo, nem sempre os erros são dos outros, nem sempre têm as piores consequências. Nem sempre tudo é absolutamente negro no Estado que temos. Nem sempre o Governo erra em repetição, olhando para o umbigo em vez de aprender com os erros.

3.
Face ao que aconteceu, o que se aconselharia era que se medissem as palavras. Em vez da prudência, o que aconteceu é que todos seguiram o guião habitual, querendo assumir para si o que pressentiram ser o sentimento geral.

O vício começa nos políticos, aqueles que nos representam.

  • O Governo reagiu a quente por autoproteção. Sabendo a fragilidade do sistema que tem em mãos, sabendo como a Proteção Civil está ferida pelo que aconteceu no ano passado, teve o instinto de se defender, protegendo-a. Neste caso, corrigiu a tempo;
  • A oposição, com eleições à beira, cavalgou a crítica ao Governo: tudo falhou, continuamos frágeis. Fez o que era mais fácil.
  • Quanto ao Presidente, correu a assumir as dores do povo, antes que outros tomassem as dores por ele. Se tantas vezes acertou, aqui creio que errou. Marcelo tem sido o protetor da alma da nação. Mas, como se viu no caso do homem a quem prometeu recuperar o que perdeu nos incêndios, nem sempre a rapidez e a boa vontade são bons conselheiros da ação política.

Mas o vício também é de quem frequenta o espaço público. Reféns da velocidade da informação e da pressão dos que os seguem, muitos comentadores, editorialistas, jornalistas acostumaram-se a reagir a quente e a culpar de imediato. Com adjetivo pronto e sem dar margem para dúvidas. Far-lhes-ia bem estar um dia do lado de lá, para saber como é. Não há melhor lição em toda a Bíblia (agora que estamos em tempo de Natal): põe-te no lugar do outro, se queres ser justo.

Neste caso, tenho a convicção – nunca a certeza – de que se tomou a árvore pela floresta. Reagiu-se a quente. Prescindiu-se de pensar, de medir os factos, antes de dar espaço ao julgamento racional.

Eu, que sou jornalista e tenho por obrigação fazer perguntas, exigir respostas, olhar para os espaços em branco e fazer a crítica livre, prefiro sempre o sentido crítico do que uma sociedade amorfa – que aceite tudo sem reagir.

Neste caso, porém, estou em contraciclo: acho que é preciso pesar os factos, medir os erros, julgar as ações e tentar uma análise justa, caso a caso. Às vezes, parece que nos esquecemos dos elogios. E sem eles, quando forem justos, a nossa próxima crítica nunca será ouvida.

Notas soltas da semana

  • Rio sem pares. Não é por ter a PGR contra, a ex-PGR contra, o Presidente contra, os partidos contra. Não é por acreditar que a independência do Ministério Público fica em causa se houver mais nomeações políticas para o Conselho Superior. É por não perceber que contraria as convicções do seu eleitorado que Rui Rio está a cometer o maior erro da sua curta liderança. Um dia, continuando assim, o PSD de Rio representa quem?
  • Parlamento sem moral. Depois de os casos das falcatruas nas faltas se terem alastrado, é errado o Parlamento rejeitar a proposta de passar a registar presenças por impressão digital. Depois não se queixem dos populismos.
  • Centeno com truques. Os funcionários públicos que vão ter aumento até 55 euros em Janeiro de 2019 perdem os pontos que acumularam na avaliação e não poderão progredir na carreira. É mesmo o que se pode chamar de falsas expectativas.
  • Adalberto viu uma luz. Tentando menorizar as divergências internas sobre a próxima lei de bases da Saúde, o ex-ministro disse, preto no branco, que o problema do SNS é de “falta de investimento”. A saída ajuda sempre na clareza do que se diz.
  • Cabrita viu o ouro. O ministro da Administração Interna foi a Portalegre assinar um protocolo que promete à terra a sede do centro de formação da GNR. Costa fez o mesmo e ganhou a medalha de ouro da cidade. Foi em 2007 – mas desde então nada apareceu.
  • Agora (mais) a sério. O Reino Unido está à beira de uma implosão, muito perto de um Brexit sem acordo com a UE. A mera perspectiva do dia em que ninguém pode entrar e sair de lá, em que nada pode entrar ou sair de lá, em que tudo fica suspenso porque não há tratados que definem como se passa, é uma visão do inferno. Espero que nunca aconteça. Espero que, se acontecer, todos estejamos conscientes das consequências.

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