
Transparência salarial: de obrigação legal a vantagem competitiva
Esta diretiva não é apenas uma questão de compliance, deve ser encarada como uma oportunidade e uma alavanca de desenvolvimento humano e organizacional.
A nova Diretiva (UE) 2023/970, aprovada a 10 de maio de 2023 e em vigor desde 6 de junho do mesmo ano, representa uma mudança decisiva no modo como as empresas europeias devem encarar as suas políticas salariais. Com a obrigatoriedade de transposição para a legislação nacional até 7 de junho de 2026, o relógio já começou a contar. E as organizações que optarem por adiar esta adaptação estarão a correr riscos sérios — não apenas legais, mas também reputacionais.
Estamos perante uma verdadeira transformação estrutural que interseta áreas como justiça organizacional, cultura interna e perceção externa da marca empregadora, colocando os departamentos de recursos humanos e as lideranças empresariais no centro da transformação. Este é um momento-chave para as empresas se posicionarem como uma referência em ética, transparência e compromisso com as pessoas.
Os números falam por si, e são tudo menos discretos. Segundo o Barómetro das Diferenças Remuneratórias entre Mulheres e Homens 2024, elaborado pelo Gabinete de Estratégia e Planeamento do Ministério do Trabalho, Solidariedade e Segurança Social, em Portugal, as mulheres continuam a ganhar significativamente menos do que os homens, mesmo quando desempenham funções semelhantes. Esta diferença ronda os 12,5% no salário base e sobe para mais de 15% quando incluímos prémios e outros complementos. Estas diferenças mantêm-se mesmo depois de ajustadas por fatores como setor de atividade ou tempo de serviço. Além disso, a desigualdade não se verifica apenas entre géneros; ela também é regional, etária, contratual e, muitas vezes, cultural. Um jovem a iniciar a carreira, uma mulher num contrato a termo, um colaborador de uma região do interior — todos podem estar a viver realidades salariais profundamente distintas sem que isso seja justificado pela função ou pelo desempenho.
A nova diretiva pretende mudar este cenário, promovendo critérios claros, compreensíveis e justos na definição das remunerações, e para isso traz medidas concretas: exigência de divulgação de faixas salariais em ofertas de emprego, proibição de perguntas sobre salários anteriores em entrevistas, obrigação de justificar diferenças salariais superiores a 5% entre géneros distintos que desempenhem funções idênticas e a permitir que qualquer colaborador saiba qual a remuneração média por género da sua função. Tudo isto visa garantir que o valor atribuído ao trabalho reflita função, mérito e responsabilidade — e não características pessoais, ou circunstanciais.
Mas o que significa isto, na prática, para as empresas?
Significa rever processos de recrutamento, reformular práticas salariais, adaptar a comunicação interna e, acima de tudo, cultivar uma nova cultura organizacional. Um desafio? Sem dúvida. Mas também uma oportunidade. As organizações que liderarem esta mudança terão vantagens competitivas reais: uma reputação reforçada, maior capacidade de atrair e reter talento que valoriza justiça e autenticidade e equipas mais coesas, motivadas e alinhadas com os valores da empresa.
As empresas que optarem por ignorar esta diretiva arriscam-se a sanções legais, ações judiciais e, acima de tudo, danos reputacionais. Esta diretiva não é apenas uma questão de compliance, deve ser encarada como uma oportunidade e uma alavanca de desenvolvimento humano e organizacional.
Esta transformação não se faz apenas com tecnologia ou relatórios; ela exige pessoas preparadas. As equipas de recursos humanos, de gestão, de payroll e de comunicação interna precisarão de trabalhar juntas, comunicar de forma eficaz, entender a importância dos dados, da narrativa e da escuta.
A preparação faz-se com liderança consciente, com reflexão estratégica e com formação, ajudando as empresas a prepararem-se para a nova era da transparência salarial — de forma consciente, prática e eficaz. Porque sim, o futuro do trabalho é mais transparente. E quem estiver preparado, liderará.
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