Transparência salarial: obrigação legal ou vantagem competitiva?

  • Catarina Lima Soares
  • 14:00

Além de ser uma exigência legal iminente, a transparência salarial oferece uma vantagem estratégica: atrai e retém talento, especialmente entre as novas gerações.

A palavra transparência tornou-se central no mundo do trabalho — na liderança, na comunicação, na estratégia. Mas quando falamos de salários, o tema continua sensível.

A diretiva europeia sobre transparência salarial, aprovada em 2023, veio para mudar mentalidades. Até junho de 2026, todos os Estados-Membros, incluindo Portugal, terão de a implementar. O objetivo é claro: combater as desigualdades salariais, especialmente entre homens e mulheres, e promover um mercado mais justo.

A desigualdade salarial é um reflexo de estereótipos e desigualdades históricas. Mesmo quando têm as mesmas qualificações, em Portugal, as mulheres continuam a ganhar em média 12,5% menos que os homens (dados de 2022). A situação é ainda mais grave nas pensões, com uma diferença de 30% a menos na União Europeia. As mulheres continuam a aceder a menos cargos de liderança e a estar mais concentradas em áreas menos valorizadas do ponto de vista remuneratório. Além disso, as diferenças salariais continuam camufladas – apesar de o salário base se aproximar, a discriminação acentua-se nos complementos retributivos e na retribuição variável.

Apesar de já existir na nossa lei o princípio de remuneração igual para trabalho igual e de, nos últimos anos, Portugal ter vindo a reforçar a sua legislação sobre igualdade salarial, a diretiva vem exigir dados concretos e ações reais às empresas.

A diretiva traz obrigações para os empregadores, tanto entidades públicas como privadas, sediadas ou a operar na UE:

  • Partilhar com os trabalhadores dados claros e acessíveis sobre remunerações, contribuindo para uma cultura de transparência salarial;
  • Responder de forma transparente a trabalhadores que solicitem informações sobre o nível médio de remuneração de funções equivalentes na organização;
  • Incluir intervalos salariais nas ofertas de emprego ou comunicá-los antes do processo de entrevista, promovendo a equidade e prevenindo discriminações com base em género, origem étnica ou outros fatores;
  • Recorrer a uma linguagem inclusiva e imparcial nas publicações de recrutamento, de forma a tornar as oportunidades apelativas para todos os perfis, independentemente da identidade de género;
  • Não questionar ou consultar o historial remuneratório de candidatos. A proposta salarial deve refletir as competências e responsabilidades exigidas pela função e não estar condicionada por experiências anteriores potencialmente desajustadas;
    Identificar, explicar e corrigir diferenças salariais entre homens e mulheres sempre que essas divergências ultrapassem os 5%;
  • Definir políticas de progressão e de compensação baseadas em critérios objetivos, transparentes e isentos de enviesamentos de género;
  • Proceder a análises regulares das estruturas salariais para garantir justiça e equilíbrio na remuneração praticada e apresentar relatórios, anuais no caso das empresas com mais de 250 trabalhadores, e a cada três anos no caso das com mais de 100.

O incumprimento destas obrigações poderá resultar em sanções, pelo que a proatividade evitará multas, custos judiciais e impactos negativos na reputação e nas oportunidades de negócio.

Para aproveitar esta mudança como uma oportunidade para afirmar uma empresa mais justa, transparente e atrativa, os empregadores podem começar por:

  • Auditar práticas salariais e identificar disparidades;
  • Definir faixas salariais por função e responsabilidade;
  • Atualizar anúncios de emprego com informações claras sobre salários e progressão;
  • Eliminar perguntas sobre histórico salarial nos processos seletivos;
  • Formar equipas de RH e liderança sobre as novas exigências;
  • Integrar a igualdade salarial na estratégia ESG e nos relatórios de sustentabilidade.

Além de ser uma exigência legal iminente, a transparência salarial oferece uma vantagem estratégica: atrai e retém talento, especialmente entre as novas gerações, que valorizam a justiça e a equidade. Cria-se um ambiente de trabalho mais positivo, onde o colaborador se sente tratado de forma justa e transparente, o que aumenta a motivação e o compromisso.

Esta é uma oportunidade para as empresas se destacarem num mercado mais consciente e alinhado com os valores de equidade, posicionando-se como líderes responsáveis num futuro que exige mais justiça no trabalho.

Num mercado mais consciente, a transparência não é um risco — é uma vantagem competitiva.

  • Catarina Lima Soares
  • Diretora jurídica e de compliance da Adecco Portugal

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